Malvada, mas carinhosa

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Sempre gostei de crianças, menos quando eu era uma delas. Não sei ao certo o motivo, mas eu atormentava a vida dos meus amiguinhos, batia em quem implicava com o meu irmão e, dizem as línguas que adoram me difamar, enchia de tapas um vizinho que ia lá em casa brincar comigo. Dizem que o vizinho mirim me adorava, nós brincávamos a tarde inteira e na hora de guardar os brinquedos é que começava o martírio (dele, vamos deixar claro). O quarto de brincar era um local propício para bagunças, acampamentos, chá das cinco (elegante desde pirralha), caverninha, sala de aula, mansão da Barbie, terremotos e furacões, mas algumas regras nos eram impostas. Brincou, guardou. E se não guardasse a mamãe ficava com uma cara que dava muito, muito medo. Não vou mentir dizendo que ela nos batia, mamãe era boazinha (era, vamos deixar claro novamente). Mas ela ameaçava. E o olhar dela era no estilo Joan Crawford, o que para uma criança loirinha, calminha e com cara angelical era inacreditavelmente assustador.


Depois de deixar o quarto completamente do avesso e ficar exausta com tantas atividades infantis eu dizia que era para o pobre menino guardar, sozinho, os brinquedos. Ele, inteligente que era, dizia que não, brincou, guardou. Até ele escutava o que mamãe dizia. Só que eu, delicadamente, falava que não ia guardar nada, sentava e assistia - com o chicote na mão - ao lerê do coitado. E o moleque voltava para a casa, chorando. Pois um belo dia a mãe do escravo Isauro bateu lá em casa, chamou mamãe e fez queixa da pequena anja. "O Marcelinho gosta tanto dela, vem aqui e brinca, mas ela maltrata ele, diz que não vai guardar nada, bate nele e ele chega em casa todo arranhado e ainda diz que ela é o máximo". Sábio, desde criança.


A moral da história poderia ser: tem gente que gosta (e merece?) apanhar. Mas não é. Eu nunca disse que era malvada, o máximo de malvadeza que fiz na vida foi colocar sal em cima de sapos e assistir de camarote a morte aparecer com foice para buscá-los. Tudo bem, eu também colava nas provas de matemática, mas possuo um bloqueio mental matemático que nunca foi resolvido, nem em cadeiras de professoras particulares, nem em poltrona de psiquiatras. Não sou má. O Isauro arranhado ia na minha casa, brincava com os meus brinquedos e tinha a minha companhia. Tudo meu. O mínimo que ele podia fazer era guardar tudo. Sozinho. E rindo.


Virei adulta, mas nem tanto, pois tenho um lado made-in-Terra-do-Nunca e, segundo a definição de uma amiga, possuo neurônios-Pollyana. Tenho uma afinidade fenomenal com as crianças, é uma coisa sem explicação. Se for endiabrada então, tá feito. E não falo de crianças que eu conheço, é uma coisa generalizada. Quando saio na rua elas sempre me dão um sorriso e, quando pequenas, esticam os bracinhos, é a coisa mais fofa. E gosto disso. Tenho essa sintonia com os pequenos e, por incrível que pareça, paciência. Não sou paciente, muito menos com os adultos, mas com elas não sei o que acontece, deve ser porque realmente somos parecidas. Sei que sou uma mulher, mas sempre que posso coloco ela trancafiada em algum canto, prefiro a leveza e a ingenuidade das crianças. São mais sinceras, não fazem jogos, não usam artifícios, dizem o que querem, falam o que pensam. Tudo sem medo. São carinhosas. E más. Muito más.


Semana passada nasceu o meu primeiro sobrinho e eu virei a criança mais feliz. Ser tia é a melhor sensação do mundo, não tem palavra que consiga descrever o que significa de fato levar a coroa de tia. Aquele pequeno ser, você sabe, é uma parte sua. Tem pai, tem mãe, mas tem tia. E tias são peças importantes, ainda mais uma tia como eu. Estou me achando, mas eu sou uma boa tia, e sei disso. Como se ele só tem 5 dias de vida?!? Não faça essa cara de espanto, pois muito antes de saber que a minha cunhada estava grávida eu já queria - e pedia, como toda a criança - um sobrinho. Demorou, mas veio. E veio de um jeito lindo. Ele é o bebê mais maravilhoso que já vi na vida e isso não é papo de tia coruja. É perfeito, tem olhos lindos, um nariz bonitinho, uma boca bem desenhada, mãozinhas lindas, ele é todo lindão e eu estou apaixonada, encantada pelo Theo.


Uma das partes chatas de crescer é ver que nem tudo é perfeito. Meu sobrinho nasceu e ainda não pude vê-lo. Não, não sou uma tia desnaturada. Ele mora muito longe, mas está bem perto de mim. Conheço o pequenino apenas por fotos e relatos do meu irmão. E ele é tão fascinante que virou o protetor de tela do meu computador. Fico ali parada olhando minutos consecutivos aquela carinha doce e serena que ele tem e meu coração vai apertando devagar, tamanha a vontade de sair correndo para pegá-lo no colo, abraçar, encher de beijos, apertar as bochechas de leve e fazer com que ele sinta de verdade o amor gigante que eu tenho por ele, que é tão pequeno, tão novo, tão sensível, tão dependente, tão frágil e tão amado. Como não sou bem normal da cabeça, às vezes, quando vejo, estou dando um beijinho na tela, na bochecha dele. Ou então fazendo um carinho naquela mão pequena. Tomara que você não seja sem-parafusos que nem a tia.


Pequeno Theo, vou te ensinar a pintar e a pronunciar as palavras certas, vou trocar muito as tuas fraldas, te contar histórias que já existem e inventar outras tantas, ainda vamos correr pelos parquinhos, brincar de carrinho, jogar bola, vou te levar nas festinhas e na escola, vamos tomar o primeiro porre juntos - quando você crescer - e vou te ensinar a ser um homem não-canalha. Com ou sem distância, desde antes do seu nascimento já estamos juntos. E quando você ficar maior e conseguir entender algumas coisas eu te explico que o culpado pela destruição do casco de tartaruga foi o seu pai, não eu. Falando nisso, vou repetir umas frases que disse, há algum tempo atrás, para ele: O que eu realmente quero que você saiba é que não importa o tempo que passe, o que aconteça ou o que a vida nos ensine. Não interessa quem somos ou quem vamos nos tornar. O que vale é o que carregamos dentro de nós. E você, guarde isso na memória para todo o sempre, eu carrego junto comigo todos os dias.


Declaro que fiquei "pra titia". Com muito orgulho.



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