A volta

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Eu estava de férias. Curtas, breves, passageiras. Fui para a praia, nenhum dia bonito. Nada de banhos de mar. Não que eu goste daquela areia que gruda na perna, muito menos do jeito que os cabelos ficam pós-mergulho-gostoso. Não que eu goste das praias do sul. Mas eu estava de férias e o mínimo que eu merecia era um pouco de paz bem refestelada em dias bonitos. Nada feito. Tudo bem, a vida segue.

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Estou velha, cansada e ranzinza. Calma, tudo pode ser pior: estou, também, na tpm. Me sinto uma idosa, tenho sono cedo, me deito, cadê o sono? Passeia bem devagarinho, contempla a paisagem e não me visita. Depois de um tempo, enfim, chega. Com ele, sonhos ruins. Sonhos que me trazem insegurança, que me lembram coisas chatas. Tento não pensar. Mas estou velha, cansada e ranzinza demais. Antes eu era uma dondoca, hoje eu vejo. A minha vida era um final de semana ensolarado. E agora eu aproveito todos os minutos dos finais de semana ensolarados ou não. E durmo. E passeio. E faço coisas que durante a semana não consigo. Hoje eu dou valor pra coisas que antes não dava. Hoje eu vejo que a gente precisa levar alguma coisa da vida, senão ela passa e babaus.

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Tudo isso pode parecer simples pra você, que tem casa, marido ou mulher ou amante, bicho de estimação, bicho que ficou nove meses na barriga, samambaia, vizinho, conta pra pagar, trabalho, congestionamento, almoço de domingo, happy hour com amigos, idas ao supermercado. Tudo isso pode parecer fútil demais pra você que acorda às 6 da manhã, leva o filho pra escolinha, vai trabalhar, volta pra casa, faz o almoço, leva o pai ao médico, pega o filho na escolinha e deixa na casa da sogra, volta pro trabalho, sai às 18 horas e, ai, cansei. Eu sei, meus problemas parecem pequenos. Já viu como o problema do outro sempre parece menor? O povo gosta de valorizar o sofrimento. Só se o fulaninho tem AIDS ou CÂNCER ou outras doenças em CAPS é que você pensa que o seu probleminha é minúsculo.

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Passei 27 anos sem trabalhar. Isso mesmo. Eu não tinha nem currículo. Pra ser sincera, eu tinha. Nele estava escrito o meu nome e a escola em que estudei. Só. Era pobrinho, pobrinho. Mas a vida adulta vai batendo na porta, o tempo vai passando, você olha pra si, olha pro mundo, olha para os lados, olha para o umbigo e pensa epa, eu quero o quê? Então você se mexe. Porque viver escrevendo é só pro Paulo Coelho. De coelha eu nada tenho. Por falar em escrever eu estava quase louca, muito tempo sem escrever me deixa velha, cansada e ranzinza. Então eu procurei, procurei, procurei. Encontrei. Comecei a trabalhar e aquilo me cansou. Me dei conta que trabalhar e estudar era uma exaustão sem fim. Sei que isso parece bobo pra você que tem que pagar a faculdade e a conta de luz. Nunca paguei nada em casa, nem o pão que o diabo amassou. Me formei. Saiu um peso das costas. Um peso duplo: me formei e finalmente descobri o que eu queria da vida. Trabalhar cansa. É bom, você se sente útil pro universo, mas cansa. Saio de casa de manhã cedo e volto quando o sol tá quase indo embora. Cansa. Sinto sono. Deito. Ele foge. Saio correndo atrás dele. Pego pelos cabelos. Ele sossega. Depois me puxa um fio de cabelo com algum pesadelo. Que bobo ele!

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Eu estava de férias. Voltei. Estou cansada e é quinta-feira. Amanhã é sexta, o dia vai ser cheio e depois tem sábado e domingo. Queria passear, ir ao cinema, deitar na grama, pastar, mofar. A previsão do tempo diz que vai chover. Inferno! Logo no final de semana? Antigamente eu não dava bola pra isso. Vivia num final de semana eterno. Mas como não sou de valorizar sofrimento ou ranzinzices quero me confessar, Senhor: minha vida tá ótima, estou fazendo o que gosto, sou lindamente quase bem resolvida e tremendamente bem amada, então eu sou é bem feliz. Muito obrigada.


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