Pequenos gestos

By | 17:02
Foto: Wendy Vatanabe.





Ontem a já-não-tão-nova trabalhadora do Brasil (eu) pegou o Humilhante (ônibus, vulgo busão, busum) e teve uma surpresa. A cada dia que passa entendo menos a humanidade. Coisas simples e gestos espontâneos não deveriam ser encarados como aberração, surpresa e tampouco gerar prêmios, gratificações, regalos, chame como quiser. Você, querido leitor, provavelmente não está entendendo nada.


Vamos lá. Subi no ônibus no horário usual, com o motorista pontual e sorridente que nem tem cara de motorista, porque geralmente motorista de ônibus reclama, bufa, suspira, espirra e limpa a mão na calça, bem na coxa. E depois pega a direção como se nada tivesse acontecido. Pois o motorista pontual é um querido, nem preciso chamar o busão, ele me vê e já para. Bom dia, bom dia. O cobrador é outro querido, dia desses dei dinheiro a mais e ele me devolveu e ainda disse "cuidado, se é algum esperto te passa a perna". É, cuidarei. Obrigada pelo conselho. Todo mundo sabe que bancos vermelhos são destinados a idosos, gestantes, deficientes físicos e obesos. Não sou idosa, a não ser para a minha prima de 3 anos. Não sou gestante, apesar de não ter a barriguinha da Fernanda Lima. Não sou deficiente física, só um pouco descoordenada e estabanada, mas minha deficiência não ultrapassa o âmbito mental. E não sou obesa, apesar de precisar perder mil e dezoito quilos. Por que adolescentes mostradoras de barrigas-pernas-peitolas sentam no lugar dos velhinhos? Por que homens fortões sentam no lugar de mulheres grávidas?


A educação saiu de férias sem data prevista para retorno. É isso que eu sinto ao conviver com pessoas de qualquer classe social, religião, visão política e cor. Se esperar educação já é demais, delicadezas então nem se fala! Ontem, dentro do ônibus, junto com o motorista pontual e o cobrador bom de matemática, uma velhinha estava cheia de sacolas. Não tive dúvida, minha mãe me ensinou a ser educada e eu sou mesmo, ajudei a senhora. Como o mundo de hoje está um pouco desajustado, peguei as sacolas explicando que iria ajudá-la. Não queria que a senhorinha achasse que eu, sei lá, queria roubar alguma coisa dela. Cara de trombadinha não tenho, pelo menos é o que eu acho. E a senhorinha, surpresa com a minha atitude (afinal os "jovens não dão bola para os velhos") me deu um pacotinho de chá de presente. Uma graça ela, mas não precisava. Tentei explicar, ela nem quis ouvir. Ficou comovida.


Juro por Deus que isso é verdade, hoje aconteceu um fato parecido. Hoje pela manhã fui esperar o Humilhante. Vi que uma senhora se aproximou perguntando se aquele ônibus ia até o Centro. Sim, vai. O ônibus parou, eu estiquei a mão e disse que ela podia passar primeiro. Ela sorriu agradecida. Sentei no banco e daqui a pouco a senhora de gel no cabelo esticou a mão e me entregou um bombom. "Pela tua gentileza". Agradeci. E fiquei pensando: tem alguma coisa havendo. As pessoas se surpreendem com bons atos. É que nem a história do taxista lá na Argentina. Ele achou uma mala abarrotada de dinheiro, era uma dinheirama. E ele devolveu tudinho sem tirar uma notinha sequer. As pessoas abrem a boca e exclamam "ós". Oh! É que nem quando alguém é assaltado, já percebeu? A gente diz assim "ainda bem que não te aconteceu nada". E não é pra acontecer mesmo. Não é pra acontecer de levarem o teu carro, a tua bolsa, teu dinheiro, teu celular. Cadê a noção de certo e errado, gente?


Hoje fui fazer as unhas. Manicure nova. Você sabe bem o que isso significa. A gente observa cada passo, cada alicate, cada suspiro, cada lixada de unha. O cuidado na hora de pintar, de limpar, de falar. Suspirei aliviada, adorei a experiência, a Eli é um amor de gente. Quando ela terminou, eu disse que ela fazia a melhor unha do mundo. "Olha, tenho 28 anos, faço as unhas desde os 14. Depois de tanto me tirarem pedaços decidi fazer eu mesma. Mas te adorei e vou voltar sempre, pois você é a melhor manicure que já encontrei". E ela me disse que ganhou o dia. Nunca falaram aquilo pra ela (como, meu Deus?!?). E eu fiquei feliz por ver que alegrei o dia de alguém.


Quanto ao ônibus, pena que amanhã é sábado. Já arrecadei chá e bombom. Vamos ver o que me espera na segunda-feira. Tô pensando em começar a pedir dinheiro.
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