O nome certo das coisas incertas

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Toda a mulher se depara, ao menos nove mil e quarenta vezes na vida, com um homem ordinário. Descobri, para a minha sorte, bem cedo o gosto da canalhice. Brinquei de Barbie até os quatorze anos. Troquei a boneca magrinha peituda loiruda por um beijo na boca e achei nojento demais. Para testar bem a nojeira continuei beijando. Me dei conta que a coisa era boa e o cadáver da Barbie foi enterrado em um saco de lixo. O cemitério ficava embaixo da minha cama. Naquela mesma cama, eu sonhava com os grandes amores da minha vida. Quatorze anos, muitos amores. Todos eles inequecíveis. Todos eram os únicos-que-senti-isso. Na adolescência tudo é hiperbólico e sem fim.


Então você cresce um pouquinho. Beija mais de vinte, trinta, setenta. Não que eu tenha beijado essa quantidade de meninos, viu pai? Você cresce, espicha o olho para um, para outro. Aquele que é o top da escola te convida pra ir numa festa, você fica toda ouriçada, chega em casa, escolhe a roupa, veste a roupa, troca a roupa, escolhe outra roupa, veste a outra roupa, troca a outra e roupa e começa tudo outra vez. Você se perfuma, passa a chapinha, aprende a se equilibrar num salto alto, retoca o esmalte, maldito esmalte que resolve lascar bem na hora em que você aplica mais uma camada de rímel. Você tem um pouco mais de quinze, um pouco menos de dezessete. E o top da escola é aquele cara com a barba cerrada, gostoso que só vendo, tem as coxas mais bonitas e suadas do universo, você adora ver o balancê balancê dele jogando futebol, meu deus, é um deus! O top da escola bebe, fuma e faz cara de malvado. Você aprende a fumar, a beber e a fazer cara de conquistadora.


Chega o dia da bendita festa. Você, linda, com esmalte retocado, chapa na juba, cara de sou-poderosa-sim-senhor chega no lugar. O ambiente é uma boate esfumaçada, com música que deixa qualquer um surdo, cheio de gente bebendo, vomitando, cheirando, fumando. E você chega, olhos espertos, sorriso procurando o moço, o top, o dono do balancê balancê. Oi, ele diz. Oi, você diz. Ele chega perto. Você, pra mostrar que é adulta, fatal e uma completa idiota diz ei, tem fogo? Ele diz ô, se tenho. O top da escola acende o seu cigarro e depois o dele. Lá pela metade do cigarro ele pergunta quer uma cerveja? E você quer, quer tudinho. Vocês tomam um gole de cerveja. Ele manda você jogar o cigarro fora. Você joga, ele joga. Ele coloca a latinha mais pro lado e diz vem cá. Você vai. Ele te pega na cintura, segura o seu cabelo e te beija alucinadamente. E você dá aquele beijo que seria o beijo mais histórico de toda a humanidade, ninguém beijou assim, nem mesmo os dinossauros. Ele diz vamos lá em casa? Você faz cara de paisagem amanhecendo. E então ele diz vou no banheiro. E você diz tá.


Ingênua e boba, fuma mais um cigarro, toma mais uma cerveja. Ele volta. Te pega e te beija. E diz vamos lá pra casa? Você diz que não, o que é isso, não foi assim que a minha mãe me ensinou, fazer o quê lá? E ele diz ah, vamos, não te faz de difícil, vamos gatinha loura. E você se pergunta hein, gatinha loura, que brega, meu filho! E ele diz ah, vamos, você não vai se arrepender, quero te mostrar a minha coleção de CD´S. Ele insiste, insiste e insiste mais uma vez. Você sente vontade de mandar ele enfiar a CDzaiada inteira no cu. Mas segura. Segura, peão. Ele diz então vou no banheiro e já volto. Você fuma mais um cigarro, toma mais uma cerveja. Mais um, mais uma. Outro, outra. Olha o relógio, conta quantas pessoas de blusa preta passam por você, observa quantas vezes o cara ruivo passa a mão na bunda da menina de cabelo azul. Nada. Então você não acredita no que os seus olhos estão vendo. Ele, o top bebum e fumante da escola aparece beijando, abraçando, lambendo, quase comendo uma menina no cantinho esfumaçado da boate esfumaçada. Ela, aquela menina, a vadia da escola. Porque toda escola tem um nerd, um top, uma vadia, uma trouxa, uma gorda e um espinhento.


Você, sortuda, descobriu cedinho o que é um homem cafajeste. Pena que você, azarada, ficou viciada no trago e no fumo. O mundo não é justo. E você se arrepende amargamente de não ter virado a latinha de cerveja no cabelo lambido com gel de quinta categoria dele. E de ter feito um terceiro olho com o cigarro aceso.
(Na Índia é o maior sucesso terceiro olho. Lembre disso na próxima vez em que um cafa cruzar o seu caminho.)
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