Quase uma smurf

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Preciso diminuir a minha velocidade. Trocar de marcha e aprender a ir mais devagar. Ser menos, não correr tanto. Viver um pouco menos estressada. Deixar o meu volume mais baixo. Não falar em trabalho depois que chego em casa. Aprender a relaxar e não pensar em nada. Não ficar maquinando hoje o que preciso fazer na semana que vem. Ser menos, bem menos. Menos doida. Menos mimada. Menos braba. Menos doce. Menos ácida. Menos turrona. Menos difícil. Menos temperamental. Menos intensa. Menos sonhadora. Menos acumuladora de sentimentos. Menos cinderelesca.

Pode soar engraçado, logo eu, justo eu, falar isso. Eu, que sempre me orgulhei de me entregar tanto. Colocar tudo de mim nas coisas, sem a menor preocupação de sair viva ou com o joelho ralado. Eu, com meu exagero proposital, que gostava de levantar bandeiras de só-vive-quem-se-dá. Acho que ando cansada. E um pouco desacreditada no futuro.

Será que a vida pode ser mesmo um conto de fadas? Tenho que pensar menos nisso e viver mais a realidade que borra meu rímel todos os dias. É, a vida é assim. A gente vive em um mundo com gente suja e que fica espiando o momento certo de créu. Não, não é pra dançar o funk, é pra te jogar em um abismo. Sem a menor dó, sem a menor vergonha na cara. Eu, ordinária, ainda acredito que quem pisou na bola ainda tem salvação. Por que não dar mais uma chance? A pessoa fez maldade uma vez, ela pode se regenerar, pode ter sido apenas um deslize, certo? Errado! Ela faz de novo e de novo e de novo. Tenho que ter menos veia sadomasoquista.

Já pensou se nada for aquilo tudo? Não é pra somar tanto, é o que tenho me dito todas as manhãs antes de levantar. Diminui, diminui, baixa a bola, eu falo baixinho, bem baixinho no meu ouvido. Sussurro, com um pouco de tristeza, que tudo pode mudar em um passe de mágica. Pode dar tudo errado. Posso continuar trabalhando muito e ganhando pouco. O amor da minha vida pode ir e nunca mais voltar - ou então achar um outro alguém que não dê tanta dor de cabeça e não viva uma vida tão cinematográfica. Ou então encontrar uma européia que entenda de poesia, arte e dança moderna, que fale sobre coisas que eu não sei e de quebra seja linda, tipo capa de revista. Posso chegar aos 40 anos velha, feia, obesa, sem amor, sem filho, sem cachorro e sem teto. Meu Deus, só de pensar eu me arrepio. Mulher tem mania de inventar a própria vida. Eu invento e a minha é tão linda que dá um medo gigante ter um pedaço dela arrancado dos meus sonhos. Mas eu sigo, firme, um pouco menos confiante. Porque eu preciso ser menos.

E anota aí: preciso ver menos filmes de mulherzinha. Que mania essa, a gente vive achando que pelo menos uma vez vai ter um dia daqueles. Que é isso, minha gente? Por que tanta ilusão em um só corpo? Por que tanto desejo em uma só mente? Eu queria pelo menos um dia menos. Não, não é um dia a menos. Quero muitos dias a mais, se me for permitido. O que eu quero é um dia menos inteira. Porque nem sempre eu consigo viver com tudo o que existe em mim.
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