Sobre pessoas que não sabem amar

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Foto: Rogério Felício

Bem que eu queria ser um anjo. Ou uma pessoa mais evoluída espiritualmente. Ou até mesmo uma diva dos anos 30. Ou, ainda, uma sábia. Mas não sou nada disso, feliz (?) ou infelizmente (?). Sou só uma pessoa que erra, reclama, chuta pedrinhas no meio da rua, deixa o café esfriar, gasta muito e ganha pouco, rói as unhas na hora do nervosismo, apela para Deus e a Virgem Maria na hora da necessidade, desconta o que não dá certo em cima dos outros, se arrepende, tenta jogar sentimentos ruins no lixo mais próximo e fazer o bem. Por mais que se engane. Porque o que importa mesmo é tentar, fazer. Só para que, um dia, ao olhar pra trás, não sinta o peso da mão do arrependimento batendo forte na cara.


Bem que eu queria saber mais. Sei tão pouco da vida ainda. Espero que eu viva muito para conseguir aprender e ver tudo que quero – e espero. Escrevendo eu me liberto, me acerto, me reivento, busco respostas, faço perguntas, não paro. Escrevendo eu sonho, vivo, acordo, durmo, persisto. Escrevendo eu faço as pazes comigo, me desafio e me chamo e grito e calo. Escrevendo eu ouço a minha própria voz. E entendo que meu silêncio não pode ficar sem um papel – ou uma tela – do lado. Escrevendo eu espanto – e encontro quando preciso – a solidão. Porque no fundo somos tão sós – e tão nós. Escrevendo eu encontro a resposta do porquê escrevo. Escrevendo eu recebo de brinde a sua identificação, o seu entendimento, a sua compreesão, o seu eu-também-me-sinto-assim. Escrevendo você se sente minha (meu) amiga (o). E eu gosto disso. Só não gosto de me sentir invadida. Por favor, não me invada sem permissão. São poucos os que me conhecem completa, inteira – e assim prefiro. Não tente atravessar a rua fora da faixa de segurança (atravesse na faixa fazendo o Novo Sinal – alô, Prefeitura de Porto Alegre, tô divulgando de grátis, então vamos aumentar a segurança na cidade! Mais segurança nas ruas e no trânsito. Menos lixo na Padre Chagas, aquilo ali tá vergonhoso, seu Fogaça! Menos crianças nas sinaleiras! Menos mendigos no viaduto na Borges de Medeiros. ), pois você pode ser atropelado a qualquer instante.


O que me motivou a escrever o texto que você está lendo agora foi um e-mail que recebi. Muita gente me escreve – pelos mais diversos motivos. Uns me contam a vida, outros me parabenizam, alguns se preocupam comigo, outros se sentem de casa – e eu gosto. Todo mundo me respeita, inclusive os que criticam alguma coisa. Eu respeito quem me lê, da mesma forma que respeito quem me escreve. Mas, vez ou outra, alguém passa do limite (como agora). Normalmente eu fico quieta e deixo passar. Menos agora. Agora foi demais.


Recebi um e-mail de uma menina dizendo que acompanhava o meu blog desde o começo. Ela disse que ensaiou me escrever algumas vezes, mas sempre desistia. Por isso, juntou todos os e-mails em um só e transformou em um ultra-mega-power-gigante-gorducho e-mail. Até aí tudo bem. Recebi em um dia meio crítico, estava cheia de coisas para fazer, então não respondi. No outro dia, a menina teve a indelicadeza de me encaminhar novamente o e-mail enorme. Respirei fundo, li por cima e respondi algumas linhas. Ela foi insistente, escreveu de novo querendo que eu respondesse passo a passo e me perguntando que atitude tomar. Antes que eu pudesse responder ela insistiu e encaminhou de novo o e-mail. É evidente que não respondi passo a passo, não sou terapeuta de ninguém. Não terminei a faculdade de Psicologia justamente porque já tenho que lidar com o que é meu. Desculpe, não sei lidar com o que é seu.


Eu escrevo, apenas isso. Não sou a Guru do Amor. Se você quer respostas, vá numa cartomante ou num psiquiatra. A inconveniente me encheu tanto o saco com aquela ladainha (quem já me escreveu, inclusive pedindo conselhos, sabe que eu respondo numa boa, trato as pessoas com gentileza e educação – desde que eu seja tratada da mesma forma) que fui obrigada a dar uma resposta curta e grossa. A história toda girava em torno do namorado que mora em outra cidade, não tem o menor respeito por ela, não demonstra amor, blábláblá, já terminou e voltou, já envergonhou a menina, etc. Ela, por sua vez, é louca por ele, faz de tudo pelo cara, é bonita, formada, esforçada. Ele é menos esforçado, menos bonito, é obeso, não dá bola pra coitada. Estou resumindo, pois a história vai longe. Ela, cheia de dúvidas, me perguntava o que fazer, se precisava de terapia, pois não ia conseguir viver sem ele. E citou várias vezes que o cara era OBESO. Que ela conseguiria outro cara fácil, pois era bonita e patati patatá. Já ele... é obeso. Então, explodi. Já que ela é tão bonita não devia ser tão insegura. Já que faz tanto pelo cara devia conseguir ao menos conversar. Já que é tão boa pessoa devia ter opinião própria. E, pelo amor de Deus, precisa de terapia, sim! É muito simples: tem gente que se sente tão desconfortável consigo mesma e com o mundo que precisa estar com alguém "inferior" para se sentir menos pior. Isso é fato. Tenho uma amiga que namora vários caras (não ao mesmo tempo, claro) problemáticos e de classe social muito inferior porque ela é complexada. Precisa desesperadamente ajudar alguém para se sentir mais humana, mais gente. Precisa se sentir acima para achar que é merecedora de afeto. Típico caso dessa menina: o que fazer se o namorado (obeso, como ela fez questão de enfatizar) picar a mula? Ela vai se sentir muito mal se não estiver por cima de alguém.


Que bobagem. No amor, ninguém está por cima. Um dia a gente fica de lado, no outro de conchinha, em pé, deitado. O que importa é estar junto. Pensando bem, sou um anjo. Só falei a verdade pra ela. Nem mandei tomar naquele lugar.


(Ah, ela merecia!)
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