Eu e o meu apego

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Estava tudo muito claro na minha cabeça: eu lançaria o meu livro, viajaria, me mudaria e postaria um texto por dia. Mas não é assim que tem acontecido, eu e você sabemos. Lancei, viajei, voltei e ainda não me mudei. Caixas e mais caixas cheias de tudo que você pode imaginar. Coisas e mais coisas que ainda não foram encaixotadas. O pintor, que se chama Jesus, ao invés de fazer bondade só faz cagada. As luminárias, que deviam estar enfeitando os tetos e trazendo luz para os ambientes, ainda estão nas lojas. No corredor, tem caixa de mudança e caixa de coisa nova. Nos nossos bolsos, o vazio. No nosso coração, a sensação de falta-pouco-tá-quase-tudo-pronto. Entre escolhas de tapetes e bagunças, penso sobre o que temos apego.
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Agora, preciso dividir o guarda-roupa. É tão fácil dividir a vida, os problemas, as novidades, o sentimento. É tão difícil dividir um guarda-roupa. E o banheiro, então? E quando dá vontade de ir na mesma hora? E quando a pia fica suja de pasta de dente? E quando? Morar junto é gostoso, mas é preciso ter uma cápsula de paciência para colocar debaixo da língua de vez em quando. Eu tenho manias, você também (quem não tem?), por isso é preciso ceder. Deixar passar, calar, esperar sarar, desemburrar. Não levar tudo ao pé da letra, entender que o outro é de carne, osso, coração e, por vezes, humor azedo. Por que a gente só enxerga o que quer? Por que a gente espera que o outro faça o que nem sabemos direito o que é? Todo mundo é humano, a dança da cadeira é essa: relacionamento é bom e às vezes é estressante, salve-se quem puder e sente-se quem conseguir. A música toca, a música para e você tem que sentar, o amor é isso mesmo. E fim.
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Tem gente que acha que eu já moro junto, mas não. Meu namorado mora sozinho e desde o comecinho do ano estou lá na casa dele. Digo que "estou", pois não moro. Metade das minhas coisas estão lá, a outra metade fica na casa dos meus pais. Mas eu estou lá todos os dias, se é que você me entende. Não me considero morando, pois a casa não é minha, mas me sinto em casa pela metade. Na casa dos meus pais também me sinto em casa pela metade. Onde eu fico nisso tudo? Na casa nova, que vai ser minha. Lá, as contas também serão minhas. Tudo será como eu quero, como eu escolhi. Claro que essas escolhas não foram só minhas, foram nossas. Agora, é tudo nosso. Nosso, bonita a palavra. Tem gente que não sabe ser nós. Eu gosto de nós. Nós fortes, que são elos, que não soltam. Nesse processo de escolha de cor de parede, compra de móveis, presepadas e aventuras, a gente se descobre e vê o quanto é importante estar ao lado de quem ama. Mudanças cansam, trazem mais vida e um pouco de medo. Falei pra minha mãe que só sentiria que saí de casa o dia em que levasse o meu travesseiro. Adoro, simplesmente adoro o meu travesseiro. E ele está na casa dos meus pais, ainda. Quando levo? Não sei, talvez sábado, quando eu me mudar de verdade.
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São muitas coisas acontecendo na minha vida. Eu ainda não acredito que publiquei meu livro. Ainda não acredito que vou fazer trinta anos. Os trinta pra mim sempre foram um marco: quando fizer trinta viro adulta de vez, eu pensava. Vou morar junto, ou melhor, casar. Quem mora junto se casa, não é verdade? Vou sair da casa dos meus pais, apesar de já ter colocado uma perna, talvez duas, pra fora. Isso dá um certo receio. O medo de levar embora o travesseiro e, com ele, as lembranças de como fui feliz naquela casa. Junto com tudo, lembro que a casa está à venda, que meus pais pretendem morar em outro estado, já compraram terreno e tudo mais. Aquela casa, pra mim, representa muito. Naquele espelho do meu banheiro é que eu me enxergava, me arrumava, me desesperava quando era adolescente. Muitas portas eu bati. Muitas vezes subi aquela escada pé por pé, bem devagar, pra minha mãe não acordar e ver que eu tinha tomado uma vodka a mais. Nos finais de semana, meu pai gritava meu nome embaixo da minha janela, pra me acordar. Do meu quarto, eu sabia direitinho se era a Mel ou a Buba tomando água. Naquele pátio, tive as melhores cadelas do mundo: Baloo, Buba, Maggie e Mel. Ali, me ganhei e me perdi muitas vezes. Vou sentir saudade daquele espaço, da minha parede rosa, dos sonhos que ali ficaram e dos que pelos buracos e frestinhas saíram. Agora, preciso dos sonhos de fora.
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Consegui me desfazer de muitas coisas: papéis, roupas velhas, bichos de pelúcia, sapatos, bolsas. Fiz a minha faxina, afinal, no guarda-roupa precisa caber dois. Descobri que não tenho apego ao material. Me desfaço de fotos, trapos, panos e trecos com facilidade. Mas não sei me desfazer de lembranças. Por isso, elas ficam pra sempre comigo. Enquanto eu escrevia, bateu uma saudade do cheirinho do Cassino, aqueles eucaliptos. A praia lembra o meu avô, que também sinto saudade. Mas é o ciclo da vida: uns vão, outros chegam. Meu novo sobrinho, por exemplo, deve chegar em dezembro. Tem coisa melhor que criança? Minha nova casa chega sábado. E eu, ah, eu chego qualquer dia. Vou aproveitar que só viro adulta aos trinta. Ainda tenho quatro meses para ser criança e dizer que o que é meu não empresto.
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(Não resisti e voltei à versão anterior do blog. Não está bem igual, pois não consegui. Mas tá quase, quase. Quanto apego!)
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