Arrancando a máscara do príncipe encantado

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(Em outras boas - e duras - palavras: tirando a nossa própria máscara e vendo as coisas como elas realmente são.)



Crescemos com a ideia de que príncipe encantado existe, afinal, nos filmes e livros infantis eles são personagens quase principais. Tem a mocinha, mas tem o mocinho. E a mocinha, diz nos livros, precisa do mocinho para viver (deve ser por isso que tem tanta mulher no mundo que não sabe trocar uma lâmpada ou matar uma barata).

Pequenas, vemos um menininho bonito e dizemos que ele parece "um príncipe". Mas, afinal, o que é ser um príncipe? É abrir a porta do carro, puxar a cadeira para a lady sentar, ser gentil, educado, amoroso, carinhoso, beijar a mão e pagar o jantar? Não entendo direito essa definição, apesar de sempre ter sonhado com um. O problema é que nos livrinhos os príncipes estão sempre com a roupa limpa e o cabelo engomadinho. Na vida real a coisa muda de figura. O príncipe tem aquela camiseta preferida com um furinho embaixo do braço, chulé que nem Tênis Pé Baruel salva, bafo quando acorda, cocô fedorento, solta pum, arrota e coça o saco. Surpresa! O príncipe é uma pessoa de verdade. Entretanto, a princesa também tem bafo matinal, acorda descabelada, arrota, peida, faz cocô que nem Bom Ar salva, isso sem falar em todo o resto.

Que resto é esse? As pessoas têm defeitos, manias, neuroses, frustrações, medos, confusões. Cada um tem suas particularidades. Mas isso a gente só descobre com o tempo e a convivência. Num primeiro momento, você sai com ele e se policia. Veja se você se encontra em uma cena dessas: vocês estão se conhecendo, marcam de sair. Começa aquela longa jornada: banho, perfume, checar se a sobrancelha está em dia, passar perfume, creme, usar calcinha bonita (mesmo que não vá tirar), depilar a perna (mesmo que ele não veja), depilar axila (mesmo que ele nem encoste), depilar a virilha (mesmo que ele passe longe), secar o cabelo, passar corretivo pra disfarçar aquela olheira que teima em dar as caras na sua cara, passar um pó para uniformizar a pele e disfarçar defeitinhos, um pouquinho de blush pra ele pensar que você vende saúde, rímel pra levantar o olhar e, então, começa a busca pela roupa perfeita. Tudo fica estranho, você tira as roupas do armário, pensa que não tem roupa, invoca a Nossa Senhora Dos Looks Decentes e finalmente encontra algo que ficou mais ou menos bem em você. Depois, checa o bafo. Mesmo após escovar os dentes, coloca uma bala na boca e tenta relaxar. Ele te pega em casa, vocês vão a um restaurante, ele pergunta o-que-você-quer-comer e você pensa meu-deus-não-posso-comer-muito-senão-ele-vai-me-achar-uma-comedora-compulsiva. Então, diz pra ele escolher e sorri tentando mandar pra casa a tensão instalada na sua nuca. O prato chega e você agradece por ele não ter pedido macarrão ao sugo, afinal, isso podia sujar sua blusa. Você mastiga bem devagarinho, toda meiga, toda mulherzinha, toda tô-saindo-com-ele-faz-pouco-então-não-posso-ser-ogra. Você, inevitavelmente, já deve ter passado por isso. No começo, a gente quer mostrar o melhor. A gente não se permite relaxar, tampouco respirar com naturalidade.

O tempo passa. Vocês engatam um relacionamento. Aos poucos, ele vê que você enfia o dedo no dente de trás pra tirar aquela alface que colou lá e não quer mais sair. Devagar, ele te vê sem maquiagem, com cabelo de louca, com baba seca no canto da boca, com a unha descascada, sem máscara e sem glamour. O dia a dia faz com que a gente veja os avessos do outro. E os avessos estão cheios de nojeira. O amor é belo, sim, mas é cheio de pequenas nojeiras. E a gente precisa administrar isso.

Um relacionamento deve ser construído com verdade. A verdade, nua e sem retoques, nem sempre é bonita. Tem o lado ruim, tem a briga, tem a discussão, tem aqueles dias em que parece que vocês estão completamente fora de sintonia. Tem vezes, inclusive, que a gente se pergunta o-que-tô-fazendo-com-essa-anta? Tem tudo isso. Tem a raiva, tem a irritação, tem tudo. A verdade é que existe um lado feio do amor.

Acho que a traição, tanto masculina quanto feminina, ocorre quando a gente não engole o lado feio. É claro que o seu colega de trabalho é divertido, tá sempre cheiroso, tem piadas boas, usa camisas bem passadas e tem os olhos bonitos. É evidente que a irmã do seu amigo (ou a vizinha ou a colega ou a amiga) está sempre perfumada, produzida, sorridente, sem TPM, sem reclamar que você esqueceu de pagar a conta de luz ou esqueceu de levar o cachorro pra tomar banho. É claro que sim. É fácil e bonito ser superficial. Essas pessoas, que de dia ou à noite se mostram tão cheia de encantos, são iguais a nós. São gente. De vez em quando são egoístas, desumanas, mesquinhas, pentelhas, grosseiras. É lógico que existem muitas pessoas bonitas no mundo. Você pode achar seu instrutor da academia um gato. Ele pode achar a secretária mega gostosa. Mas uma coisa é achar, outra é cobiçar, flertar, fazer graça. Tem gente bonita no mundo, sim. Mas o importante é você achar que o outro é mais bonito pra você. Mesmo que tenha dias feios.

A grande verdade é que perfeição não existe, a gente é que pensa que sim. Como diz Marina Lima "só que quando anoitece, é festa no outro apartamento". Não pense que o relacionamento da sua amiga ou do seu parceiro de tênis são melhores que o seu. Relações são complicadas. Tem dias que dá vontade de gritar bem alto "meeeeeeeeeeeeeeeeerda". Mas sempre achei que o que mais importa é o sentimento, mesmo que existam outras coisas. Essas coisas a gente ajeita, conversa, organiza, negocia. Basta querer e aceitar que príncipes e princesas existem fora da porta da sua casa. Do lado de dentro tem gente de carne, osso e muitos defeitos.
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