O amor mais puro

By | 18:44

Sinto que está faltando amor. As pessoas, cada mais mais descrentes, se debatem pelos cantos, procurando um sei lá o quê. Quem está sozinho quer encontrar alguém para dividir a gaveta das meias. Quem está acompanhado procura em algum cantinho o que foi perdido com o tempo. A gente não pode se iludir, certas coisas se perdem, sim, e isso não é ruim. É natural, é a vida, é a evolução. E, acredite, é mais sábio e bem menos doloroso se aceitarmos isso. Aos poucos, vamos nos perdendo um do outro para, então, nos aproximarmos mais de nós.
.
Quando você ama precisa abrir mão de todo o narcisismo, tem que dar um chega pra lá no egoísmo e entender que você pode e deve se dividir. Só existe amor quando há divisão. E essa divisão, insisto, é justamente a soma. A soma de tudo: carinho, projetos, medos, anseios, vivências, passados. O resultado dessa soma quem faz é você, diariamente. E essa matemática não é exata, pois o amor não tem nada de exatidão. Ele é imperfeito e, ao mesmo tempo, puro.
.
Depois de abrir mão de uma parte de si - e receber uma parte do outro de braços e peito aberto - você começa a juntar os pedaços. Mistura os seus com o do outro até criar uma coisa só, e é justamente essa coisa que leva o nome de amor. Com o passar do tempo, você percebe que tem muito do outro, que aprendeu muito, que se deu muito, que recebeu muito, tudo muito, porque o amor é intenso e exagerado.
.
Chega o ponto da perda. Aquela perda que não é dor, não. Aquela perda que todo mundo precisa ter: pequenos, perdemos o brinquedo para o coleguinha. Adultos, perdemos a vaga de emprego para outro e esse outro, de repente, nem era mais preparado, mais competente, mais legal, mais bonito. Esse outro era apenas outro. Se você perceber, perdemos mesmo antes de nascer. Na barriga da mãe, no quentinho, protegidos, perdemos tudo: o lugar, o aconchego, o direito de opinar. Ninguém pergunta se você quer sair de lá, um dia você simplesmente sai e tem que enfrentar o mundo, aprender a caminhar, a conseguir dormir sem a chupeta, a deixar a mamadeira, a ler e escrever, a decorar a Fórmula de Bhaskara. É um aprendizado diário, constante, que nos é imposto, pois ninguém pergunta se você quer mesmo terminar a escola, entrar na faculdade, se formar, trabalhar e ganhar a vida de uma forma honesta. Você simplesmente precisa e tem que fazer. Fim.
.
No começo do amor, você descobre o outro. Aos poucos, vai se descobrindo também. Mas existe um sentimento de eu-te-completo-você-me-completa e você pensa que está seguro. Que nada de ruim vai acontecer. E que, se acontecer, você terá todo o suporte do mundo. Ouvidos, entendimento, cumplicidade, parceria, carinho, amor. E você tem, sempre. Até o dia em que, por motivos de força maior, você não tem. E se vê só. Se vê um pouco perdido, frágil, desacreditado nas coisas e, principalmente, nos sonhos, pois você repensa cada passo. Então, percebe que precisa disso, precisa se perder um pouco do amor para se encontrar e para aprender que, no fundo, você está sempre só com a sua consciência, seus jeitos, suas manias, seus traumas, suas neuras, seus defeitos.
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial