Sobre a falta do que dizer

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Andei um pouco distante. De você, de mim, das coisas. Tentei me distanciar dos pensamentos, mas eles nunca se escondem. Às vezes, me sinto perseguida por eles. Me cercam, dominam, aprisionam. A cabeça da gente é um álbum de recordações: fotos de bons momentos, fotos de maus momentos, fotos que não dizem nada, fotos que tudo falam. E assim vamos indo, vendo e revendo fotos, buscando significados ocultos, palavras perdidas, versos cuspidos.
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Fiquei sem escrever e isso não é bom. Não colocar para fora me dói. Mas, engraçado, dessa vez não senti dor, não senti nada. Senti medo, apenas. Ele, sempre ele. Tanto tempo sem dizer e, ao mesmo tempo, tudo acontecendo aqui dentro. O mundo grita dentro da gente. O mundo, muitas vezes, parece uma criança de 5 anos que quer porque quer uma boneca e a mãe diz que não vai dar, afinal de contas, você já tem 943 bonecas no quarto de brinquedos. Mas a criança chora, esperneia, faz escândalo no supermercado. Me-dá-eu-quero. Não-dou-para-de-fiasco. A síndrome do pânico é mais ou menos assim: a gente sabe que existe a realidade e o que a gente sente. Mas essa linha é tão tênue que pensamos que vamos ter um pirepaque a qualquer instante.
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Já tinha ouvido falar da dita cuja. Já tinha estudado alguma coisa nos meus tempos de Psicologia. Mas nunca tinha visto de perto, não tenho ninguém próximo que tenha passado por isso. Até sentir. Até descobrir. Até ter uma crise, duas, três. Um ataque leve, um moderado, um forte. Até receber o nome: síndrome do pânico. Então, minha pressão sobe, meu corpo gela, sinto calafrio, começo a suar, fico com medo de elevador, de lugar cheio de gente, de janelas completamente fechadas, sinto o mundo rodar, tontura, falta de ar, aperto na garganta, no peito, sinto que tô enfartando, sinto que vou desmaiar. Sinto, sinto, sinto. E sei, eu sei, o cardiologista disse que apesar da minha pressão estar alta e eu estar tomando remédio, é psicológico. Eu preciso ser menos tensa, menos estressada, menos nervosa. Eu preciso não querer resolver tudo. Eu preciso parar de me preocupar. O psiquiatra disse calma, você não vai morrer disso, fica tranquila, vai passar, vamos cuidar disso, você não é louca, isso é comum, é ansiedade excessiva, normalmente a síndrome surge por causa de mudanças e perdas. E dei uma de Freud comigo mesma e passei 2010 a limpo.
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Perdi meu avô. Minha avó teve um AVC e continua sem mexer o lado direito do corpo, sem falar direito, sem ser o que ela era. Lancei meu livro, foi suado, foi difícil. Me mudei, eu e o Francisco moramos juntos agora, temos uma planta, uma horta e uma cachorra. Me afastei dos meus pais, o que é natural e saudável, mas pra mim foi uma experiência diferente. Minha mãe, sempre protetora, resolvia minha vida. Meu pai, sempre crítico, queria que eu tivesse logo uma vida de adulto e aprendesse a caminhar com as próprias pernas. Pois eu aprendi. Aprendi e entendi que pai e mãe são pai e mãe, não podem solucionar a nossa vida, tampouco interferir nela. Eles podem - e devem - falar quando estamos errados, tentar nos apontar caminhos certos, afinal de contas, nossos pais não querem que a gente dê cabeçadas à toa. Mas a gente deve seguir com nossos pés, mesmo que eles cansem.
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Hoje, não culpo meu pai ou minha mãe por isso ou aquilo. Sei que minha mãe me protegia ao extremo, por isso levei de brinde o rótulo de mimada e, confesso, um pouco preguiçosa também, achando que todo mundo era legal como ela e que as coisas caíam do céu. Não, o mundo não é assim como eu achava. Tem muita gente ruim e nada vem de graça, a gente precisa se esforçar. Durante muito tempo vivi numa bolha. Uma bolha que me deixava confortável, bem, uma bolha que não oferecia risco algum. Mas um dia eu saí dela e vi que o grande risco seria ficar lá a vida toda sem saber direito como são as coisas aqui fora. O mundo de verdade não tem pena de você e não para se você pedir descanso. Sei que meu pai só queria - e quer - o meu bem, mas o jeito dele demonstrar isso me magoa. Críticas demais fazem com que a gente não se sinta bom o suficiente nunca. E foi assim que eu cresci: parecia que eu estava sempre devendo. Se tirava 8, era pra ter tirado 10. Se pintava um quadro, não estava bom, pintava outro e outro, na tentativa - inútil - de receber um elogio, de agradar, de ser boa, de ouvir que eu era boa, que fazia coisas legais, que era bonita, que era inteligente. Mas ouvi críticas e me tornei uma pessoa perfeccionista e igualmente crítica. Eu queria desesperadamente ouvir que um quadro era bom, que meu livro era bom, que o que eu escrevia era bom, que a profissão que eu tinha escolhido era boa. Mas não. Ouvi que eu tinha que pintar outros quadros, que qualquer um publicava um livro, que minha profissão não era tudo isso, não. Fora o resto, fora o que fica, o que magoa, o que machuca por dentro. E os anos vão passando, mas as mágoas, ah, as mágoas ficam. Elas se instalam. Elas nos moldam. Elas fazem ser quem somos. Elas nos ferem e fazem com que a gente se sinta pequeno de vez em quando. Então, em um belo dia, a gente junta uma coisa com a outra e passa a compreender melhor tudo. A gente entende que as palavras têm força. Quem fala, esquece. Quem ouve, não. Por isso, devemos ter cuidado ao abrir a boca. Tem gente que magoa e nem sente, nem sabe, nem se dá conta. Eu tento, por mais que às vezes não consiga, não magoar. E se magoo, se percebo que magoei, peço desculpa. A palavra precisa ter bom uso, tem que ser usada para o bem. E não adianta dizer esse-é-o-meu-jeito. Não, por favor, não queira enfiar goela abaixo o seu jeito de dizer as coisas, ninguém é obrigado a te aceitar, a te engolir. Se você quer ajudar, se sua intenção sempre foi fazer o bem, dê um jeito de falar com jeito. Do contrário, toda a sua boa intenção vai pelo ralo. Se você quer o meu bem, se manifeste. Mas antes disso, me observe, entenda qual é a minha melhor forma de aceitar o que vem de você. Existem formas e formas de dizer as coisas, não é mesmo? Se você tem tentado falar e não vê resultado, troque a forma. Uma hora a coisa flui.
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São muitas coisas. O ser humano é um buraco. Dentro dele cabe tudo. E o buraco vai enchendo, recebendo coisas legais, coisas chatas, coisas feias, coisas bonitas. Uma hora a gente precisa sentar e começar a esvaziar o buraco. Se livrar do que faz mal, manter o que faz bem. E aprender, sempre. Acho que a síndrome do pânico surgiu para me trazer aprendizado. Para que eu entenda que a única pessoa que preciso agradar sou eu mesma. Afinal, a gente nasce tendo a obrigação de ser feliz.
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