O medo real

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Viver era um pouco mais fácil antes de tudo isso acontecer. Não sei se você me entende, mas esse aperto no peito, esse nó na garganta, esse enjoo, essa dormência, esse formigamento, essa falta de ar, esse suor, esse medo todo não são bons companheiros. Bem que tudo podia voltar a ser como antes, quando o que mais me assustava eram os temporais e as lagartixas no teto, que balançavam aquele rabinho sem parar (o que me causava um nojinho sem fim).


Hoje o inimigo é outro. Hoje eu não sei se consigo. Aliás, sei sim. Eu consigo. Mas me custa muito. Me custa caro. Tira a minha paz. Tira meu sono. Tira minha tranquilidade. Faz com que eu não me sinta tão capaz, tão segura, tão dona de mim. Eu, que sempre quis controlar tudo, dominar tudo, fazer tudo me sinto pequena, fragilizada, encolhida. Quando olho pela fresta das minhas janelas de dentro vejo uma menina com olhos arregalados, espantada com sintomas que chegam sem pedir licença.


Meus quatro anos de Psicologia ensinaram que o conceito de "normal" é muito relativo. Mas vou tentar te explicar com calma. Já fiz análise e psicoterapia. Problemas banais, coisas do dia a dia. Uma época, por causa da faculdade, tinha que me analisar. E tudo bem, achava interessante, gosto dessas coisas da mente. Gosto de entender o comportamento humano. Talvez seja por isso que escrevo tanto sobre o que fica dentro do seu peito e do meu. Mas eu fazia terapia e tudo bem, tenho um pouco de déficit de atenção. Nada que necessite medicamento. Nada preocupante. Esse era o meu maior problema. Um dia resolvi me dar alta e seguir a vida. Tudo corria bem até que.


No ano-novo, minha avó estava caidinha. E quem conhece a minha avó sabe que ela nunca foi caidinha. Sempre pra cima, alegre, felizona. No ano-novo, meu avô estava muito emotivo. Chorou, estourou um espumante e fez um discursinho que me arrepio só de lembrar a respeito do meu livro. Meu primeiro livro ia ser lançado em maio de 2010. E eu estava crente que teria meus avós junto comigo. Era fevereiro. Começo do mês mais agitado do ano. Então, um dia que era para ser comum se transformou em tragédia. Minha avó teve um AVC e meu avô teve um infarto vendo minha avó ter um AVC. Parece coisa de filme, mas aconteceu. Fui para a cidade onde eles moram, minha avó estava na UTI, parecia que não ia resistir. Meu avô estava em outro hospital, no quarto, bem. Ia fazer uma cirurgia. Fez a cirurgia. Minha avó foi pra casa, começou a se recuperar. Meu avô não se recuperou da cirurgia e faleceu. Minha avó resistiu. E hoje ela não movimenta um lado do corpo, não fala como antes, não toma banho sozinha, usa fraldas, vai da cama para a cadeira e da cadeira de rodas para a cama. Sei que tudo tem explicação, sei que hoje pode parecer injusto, poxa vida, uma mulher boa como ela, uma alma pura como a dela, uma pessoa tão especial, tão doce, tão incrível. Eu sei, eu sei que tem muita coisa que a gente não entende agora. Não culpo a vida. Não rogo praga para ninguém. Mas sempre penso: por que pessoas boas sofrem tanto? Meu avô, onde quer que esteja, deve ter se decepcionado. Ele, que pregava a união familiar, deve estar vendo o quão "unida" a família está agora. É em uma situação como essa que a gente vê quem fica, quem se importa. Eles tiveram oito filhos. Filhos que deveriam estar unidos dando amor, carinho, suporte para a minha avó. Alguns nem visitam. Outros dão aquela passadinha rápida só pra constar. É triste ver uma família aos pedaços. É triste, mas é a realidade.


Depois disso eu mudei. Minha família mudou. As coisas mudaram. Uma perda faz com que a gente se transforme. Em agosto, o mês do desgosto, em uma consulta de rotina descubro que minha pressão está 19/8. E aí começa um tormento. Uma série de exames. Uma sensação horrível que me perseguia e ainda persegue de vez em quando. Uma mistura de sufocamento com medo descontrolado com palpitação com sensação de desmaio com uma vontade de sair correndo com medo medo medo medo sem vírgulas nem pontos finais. Um medo com reticências. Assustador. Que assombra. Que maltrata. Cardiologista. Exame. Remédio para pressão. Psiquiatra. Conversa. Diagnóstico: Síndrome do Pânico.


Não tenho inimigos (ou tenho?). Mas se tivesse não desejaria a Síndrome do Pânico para nenhum deles. Durante algum tempo não consegui ir em shows. Durante algum tempo não conseguia tomar banho sozinha em casa. Durante algum tempo sentia um medo terrível de andar em elevadores. Durante algum tempo senti medo de morrer enquanto dormia. E hoje qualquer dor no braço, formigamento nos dedos dos pés ou das mãos, dor de cabeça e afins acho que é um AVC ou infarto. Hoje se leio ou ouço qualquer notícia no jornal ou na televisão ou em uma roda de amigos sobre AVC ou infarto já começo a me sentir meio "estranha". É essa a sensação do pânico: um estranhamento absurdo. A gente não se reconhece. A gente sente medo de ficar maluca. Medo de morrer. Medo de não suportar passar por aquela crise. Já tive muita crise de choro. Uma vez, em Natal, eu tinha andado o dia todo. No começo da noite senti uma dor terrível no braço. Jurei que ia morrer naquela noite. Que ia ter um AVC. Que ia morrer. E o pior de tudo é que o hotel era longe de qualquer hospital. Foi uma das noites horríveis que passei. Isso sem falar na semana passada. Indo para o show do Eric Clapton, presa em um congestionamento, comecei a sentir minhas pernas "geladas". Parecia que tinham amolecido. E meu coração acelerou. E comecei a sufocar e a pensar meu Deus, eu tô morrendo.


Dizem que a melhor forma de exorcizar os nossos demônios é falar deles. Dizem que o melhor a fazer quando estamos com sono é dormir. Quando estamos enjoados é vomitar. Quando estamos com fome é comer. Por isso, estou contando para você o que é o medo real. Ainda que ele exista somente dentro de mim. Ou de você.
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