Senta aqui, vamos conversar bem pertinho. É, eu ando meio
carente, então vem aqui e segura a minha mão. Preciso desabafar, te contar
algumas angústias, aflições, dividir as coisas. pode ser? Não vou me estender
muito, sei que você é ocupado. Além disso, é sexta-feira. Quem quer ouvir
lamúrias em plena sexta? Eu entendo. Se fosse mais tarde, entre um gole e outro
de bebida forte, a gente podia sentar na sarjeta, reclamar da vida, arrotar baixinho
e comer cachorro-quente da esquina. Mas é dia. É dia e as pessoas têm pressa. Vem,
não vou tomar muito do seu tempo.
Uma vez eu achei que todo mundo era meu amigo, sabe? E sofri,
como eu sofri. As coisas começaram lá atrás, quando eu ainda era pequena. Todo mundo
implicava com uma menina da sala. Resolvi defender, enfrentei todos, entende? Todos.
E o povo acabou ficando amigo e eu acabei me sentindo quase uma heroína. Depois,
na quinta série, eu arrumei uma briga feia com as meninas da sala. O motivo? Não
lembro. Sei que todo mundo ficou de mal comigo. Se fosse hoje, seria bullying, mas
foi há anos, então naquele tempo era “todo mundo ficou de mal comigo”. Eu sentava
sozinha na hora do recreio. E às vezes eu chorava no banheiro. É que uma das
meninas era pop, ela fez a cabeça de todo mundo. E naquele tempo ser Maria Vai
Com As Outras era o mesmo que usar sneakers hoje em dia. Tradução: todo mundo
fazia parte do clube. Pouco tempo depois, uma das meninas brigou com a outra,
me pediu desculpa e tudo quase voltou a ser como era. Quase. Porque entendi o
que é ser um amigo. E o que é não ter um amigo. Ela voltou a ser minha amiga. Eu
voltei a ser conhecida dela. E a partir daí comecei a classificar algumas
coisas no meu caderno imaginário de capa de veludo rosa bebê.
Na faculdade, conheci muita gente. Alguns ficaram mais
próximos, outros não. Com alguns eu saía, tomava cerveja, comia bauru. Com outros,
eu estudava, ia até a biblioteca, tomava cafezinho na hora do intervalo. E com
outros eu pegava carona. E com outros eu desabafava. Na hora do intervalo, a
moçada fala da vida. O que jantou ontem, quando marcou hora no salão para
cortar a franja, a sessão de terapia que foi libertadora, a briga com o
Carlinhos, a mãe que vai se separar do pai. São amigos de ocasião. Naquele momento,
são seus amigos. Naquele momento, você conta com eles. Naquele momento, vocês
trocam confidências. Naquele momento, frequentam a casa um do outro. E depois
cada um segue a sua vida, sem briga, sem mágoa, sem nada, apenas com o
distanciamento natural da vida.
Muita gente passa e vai passar pela minha vida. E pouca
gente vai ficar. Quer saber? Não me sinto mal com isso, não. Tenho amigos de
infância. Tenho amigos de faculdade. Tenho amigos dos tempos de escola. Tenho amigos
das agências em que trabalhei. Tenho amigos virtuais. Tenho amigos no salão de
beleza. Tenho amigos no meu prédio. Nossa, como eu tenho amigos, certo? Errado.
Muito errado.
Eu sei, sei que é bem melhor dizer fulano-é-meu-amigo do que
fulano-é-meu-conhecido. Também sei que é um saco ter que batizar tudo a toda
hora. Mas amigo é amigo, conhecido é conhecido. De vez em quando a gente troca
as bolas e se estrepa lá na frente. Então vamos reformular as coisas: existem
algumas pessoas que você jura que são amigas. Porque você convivem muito com
você. Porque te entendem. Porque conhecem todos os seus sorrisos. Porque têm
intimidade com sua família. Porque já estiveram junto com você nas horas
difíceis. Porque são boas companhias. Porque fazem um cosmopolitan maravilhoso.
Essas pessoas podem ser conhecidas. Ou amigas de ocasião. Como assim? São aquelas
pessoas que você conheceu no trabalho, na academia, pela vida afora. Gente
bacana, do bem, que é legal ter perto. Gente que te diverte, te alegra. Gente que
sai com você pra jantar, beber, jogar carta, assistir filme, viajar. Gente que
você curte bater um papo mais cabeça, mais profundo. Gente que você conta um
pouco da sua vida. Gente que você quase confia totalmente.
Quase. É porque amigo mesmo faz tudo isso. E ainda dá três
pulinhos quando um sonho seu se realiza. E ainda vibra por você a cada coisa
bacana que te acontece. E ainda respeita o teu espaço. E ainda entende que para
ser amigo não precisa estar colado com fita dupla face. E ainda não sente a
menor inveja de você.
Entendeu? Agora conte nos dedos de uma mão quem restou. Esses
são amigos. O resto é conhecido. E fim de papo.