Meu coração está doendo. Te perdi.
Nós nos perdemos. Nós te perdemos. Não tem nada que faça a dor passar ou que
mande a tristeza sair à francesa. A realidade agora é que a vida segue. Sem você.
Uma parte sua já tinha ido embora
em 2010. Eu acho que você sabia, sempre soube (estou errada?). Naquele ano-novo
você estava magrinha, pequena, emotiva. Ele também sabia. Parecia uma despedida.
Abraços fortes, lágrimas e promessas. Pouco tempo depois aconteceu. Ele se foi,
você ficou pela metade.
Me perguntei muitas vezes por
qual motivo as pessoas boas passam por provações. Não descobri. Eu acho que
isso deve fazer parte do aprendizado. Passamos por coisas que devemos passar. É
a nossa missão, nosso papel, nossos pequenos e grandes fardos. Você nunca quis
ficar daquele jeito, eu sei. Mas aconteceu, vó. Foram quase três anos. E eu,
covarde, não consegui. Me desculpa, eu não tive a coragem necessária. Devia ter
te dado mais abraços, mais beijos, mais carinhos, mais atenção. Mas eu não
consegui, entende? Eu não conseguia te ver ali, pela metade.
Tudo isso me fez repensar a vida.
E me fez perceber o quanto sou frágil. Depois do que aconteceu com vocês eu
tive Síndrome do Pânico. Terapia, remédio, ataque, medo, taquicardia, pressão
alta, mais medo, sensação de sufocamento, medo de não conseguir dar um passo
pra frente, mãos e pernas dormentes, dor no peito, tontura, enjôo. Tomar banho
ou ficar sozinha se tornaram tarefas difíceis. Contando parece bobagem. Sentindo
é que a gente percebe o quanto as coisas mudam. Eu, tão dona de mim, virei
pequena perto do mundo gigante. Eu, que achava que podia fazer tudo, tinha que
ter alguém no banheiro junto comigo na hora do banho. Foi horrível. Aos poucos,
foi passando. Aos poucos, fui aprendendo a lidar comigo e com meus medos. Aos poucos,
fui entendendo que respirar fundo e devagar ajuda. E muito.
Até hoje sinto minhas pernas
tremerem quando entro em um hospital. Mesmo assim eu fiz questão de te ver. E te
vi. Te abracei, te beijei, disse que te amava. Te ouvi dizendo que me amava
também. Mas depois eu não cheguei a tempo de te dar mais um abraço. Me desculpa.
Dei o último beijo na tua testa já gelada. E pedi que você fosse em paz. Que tivesse
descanso, sossego. Que tivesse a serenidade necessária. Eu sei que você vai
ficar bem. Por favor, ajuda ele a ficar bem também. O encontro de vocês vai ser
bonito. E mágico.
Nunca vou esquecer o brilho dos
teus olhos, o som da tua gargalhada, teu abraço doce, tua barriga fofinha pra
deitar, tua mania de enganar a gente. “Tá dormindo, vó? Não, eu tô lendo o
jornal”. Nunca vou esquecer dos verões na casa do Cassino, das simpatias de
ano-novo, do poroso, do amarelinho, das moranguinhos, das apresentações, das
nossas conversas depois do almoço, das novelas, de quando você me pedia para
cortar o tomate ou buscar o pão lá na Valda. Nunca vou esquecer de quando você
fumava escondido ou de quando me deixava comer bala antes do almoço. Nunca vou esquecer
que você ficava me cuidando na esquina enquanto eu ia lá no bar do seu Didi buscar
alguma coisa e pedia “me vê o troco todo de bala”. Então, ele fazia a conta no
papel de pão, enrolava as balas no papel e eu voltava feliz da vida. Nunca vou
esquecer quando você cuidava de mim, fazia chá e me dava remédio. Nunca vou
esquecer de quando a gente recolhia as roupas do varal. Nunca vou esquecer do
teu arroz que era muito ruim. Nunca vou esquecer de quando a gente sentava lá
fora pra tomar uma tacinha de vinho. Nunca vou esquecer da infância maravilhosa
que tive, das musiquinhas e piadas sujas que você nos contava, das nossas idas
ao supermercado, de quando eu pintava o teu cabelo, dos nossos segredos e das
tuas manias. Nunca vou esquecer de quando você veio para Porto Alegre fazer
cirurgia e não queria que ninguém trocasse a sua fralda, só eu. Nunca vou
esquecer de quando você dizia “não esquece o batom, Ciça”. São tantas boas
lembranças. Eu realmente não conheço uma pessoa que tivesse alguma coisa contra
você. A sua presença era doce, você era especial. Minha avó, minha madrinha,
minha amiga. Uma avó que protegia, cuidava, amava.
Coloquei a Nossa Senhora do teu
lado esquerdo. Sei o quanto você gostava dela. Juntinho, um envelope. Lá tinha
este texto. Achei que seria bom deixar ele pertinho do teu coração. No meu,
você vai ficar pra sempre. E um dia a gente vai se encontrar de novo. Aqui todo
mundo está bem. Com muita saudade, mas sabendo que agora você vai descansar. A sua
missão aqui acabou. A nossa, agora, é seguir fazendo tudo de bom que você nos
ensinou. Foram muitas coisas. Obrigada por tudo. Muita luz no teu caminho. Sei que
ele vai ser bonito como o teu olhar.