Todo
mundo sabe que mulher fala pelos cotovelos. E eu não fujo da regra. Ontem à
noite eu estava tentando assistir um filme, mas o sono não deixava. Por isso,
perdi partes importantes e acabei não entendendo nada do contexto. Tudo bem,
pensei, vou escovar os dentes e deitar para dormir. Escovei os dentes, deitei,
meu marido deitou e de repente o meu sono foi embora. Isso acontece com
frequência. Ele, louco de sono, me deu um beijo de boa noite e fechou os olhos.
Eu, que já estava a mil, queria assunto. Isso também acontece com frequência
aqui em casa: quero bater altos papos na madrugada. Então, entre uma falada e
outra (com as paredes, é claro, pois o coitado estava meio capotado), eu disse:
amor, não sei aceitar as pessoas como elas são. Anota isso, não sei
aceitar as pessoas como elas são. Anota, vou escrever sobre isso. Ei, anota,
acorda, anota pra mim. E ele anotou. Depois, me deu outro beijo e disse pra
gente dormir. Dois segundos depois começou a roncar. E minha cabeça
funcionando. Mas por que diabos a gente não aceita as pessoas como elas são?
Antes de
tudo, vamos lembrar que existem três coisas essenciais: como eu sou, como
queria ser e como as pessoas me enxergam. Normalmente, as pessoas não me
enxergam como sou, já que não me mostro para todos. Enxergam o que eu quero que
elas vejam, dou o espaço que acho adequado para que me percebam, por isso
muitos me enxergam de uma forma básica, superficial, sem grande aprofundamento.
O jeito que quero ser ninguém sabe e, confesso, eu mudo a todo instante. E
brigo muito comigo, pois busco fazer o melhor, mas muitas vezes faço justamente
o contrário. Para os outros e para mim. Acho que para eu ajudar alguém preciso
estar bem, essa é a lei da vida. É impossível você ser útil se algo está
desencaixado dentro do peito. É a velha história da aeromoça que já citei
outras vezes: "Em
caso de despressurização da cabine, máscaras cairão automaticamente à sua
frente. Coloque primeiro a sua e só então auxilie quem estiver ao seu
lado.”
Não consigo aceitar as pessoas como
elas são. E acredito que ninguém me aceita como sou. É muito difícil a gente
ver os próprios defeitos nos outros. É intolerável, desgastante, chega a dar
raiva. É o espelho quebrado, é o avesso embolorado. Nunca quis um mundo
perfeito cheio de pessoas perfeitas, bem penteadas, com sorriso branco e coração
de ouro. Só quero que as coisas sejam mais justas, mais coerentes, mais
humanas. Acho que não é pedir muito. O mundo precisa disso: humanidade. E,
também, humildade. Ser humilde para reconhecer as próprias falhas. Ser humilde
para reconhecer que não consegue fazer determinada coisa. Ser humilde para
ceder o lugar a quem precisa. Ser humilde para entender que ninguém é melhor
que ninguém. O orgulho estraga o gosto bom das coisas. Destrói relações,
atrapalha o bom funcionamento do ambiente de trabalho, faz amizades descerem a
ladeira. O orgulho nos afasta de quem somos. E traz de brinde uma solidão
assustadora.
Se eu aceitasse as pessoas como elas são não tentaria
modificá-las. Nem me irritaria com coisas simples. Nem sairia do sério por
bobagens cotidianas. É muito difícil aceitar uma pessoa com tudo que ela traz.
Assim como tenho plena consciência que é muito difícil me aceitar com tudo que
eu trago. Nossas bagagens são pesadas demais até para nós mesmos. Os outros não
têm a menor obrigação de carregar nossos pesos.
O maior erro é jogar para o outro uma responsabilidade
que é só nossa. Não, a culpa não é dele. A culpa é minha. Eu que não consigo te
aceitar como você é. Mas se eu não aceitar amigos, família e amores como eles
são vou acabar só. E ninguém quer como companheira eterna a solidão gelada. Por
isso, a gente tenta daqui, tenta dali e procura se esforçar diariamente para
entender. E parar de lutar com os defeitos dos outros.