Aquelas coisas que a gente pensa num domingo à noite

By | 13:00



Todo mundo sabe que mulher fala pelos cotovelos. E eu não fujo da regra. Ontem à noite eu estava tentando assistir um filme, mas o sono não deixava. Por isso, perdi partes importantes e acabei não entendendo nada do contexto. Tudo bem, pensei, vou escovar os dentes e deitar para dormir. Escovei os dentes, deitei, meu marido deitou e de repente o meu sono foi embora. Isso acontece com frequência. Ele, louco de sono, me deu um beijo de boa noite e fechou os olhos. Eu, que já estava a mil, queria assunto. Isso também acontece com frequência aqui em casa: quero bater altos papos na madrugada. Então, entre uma falada e outra (com as paredes, é claro, pois o coitado estava meio capotado), eu disse:  amor, não sei aceitar as pessoas como elas são. Anota isso, não sei aceitar as pessoas como elas são. Anota, vou escrever sobre isso. Ei, anota, acorda, anota pra mim. E ele anotou. Depois, me deu outro beijo e disse pra gente dormir. Dois segundos depois começou a roncar. E minha cabeça funcionando. Mas por que diabos a gente não aceita as pessoas como elas são?

Antes de tudo, vamos lembrar que existem três coisas essenciais: como eu sou, como queria ser e como as pessoas me enxergam. Normalmente, as pessoas não me enxergam como sou, já que não me mostro para todos. Enxergam o que eu quero que elas vejam, dou o espaço que acho adequado para que me percebam, por isso muitos me enxergam de uma forma básica, superficial, sem grande aprofundamento. O jeito que quero ser ninguém sabe e, confesso, eu mudo a todo instante. E brigo muito comigo, pois busco fazer o melhor, mas muitas vezes faço justamente o contrário. Para os outros e para mim. Acho que para eu ajudar alguém preciso estar bem, essa é a lei da vida. É impossível você ser útil se algo está desencaixado dentro do peito. É a velha história da aeromoça que já citei outras vezes: "Em caso de despressurização da cabine, máscaras cairão automaticamente à sua frente. Coloque primeiro a sua e só então auxilie quem estiver ao seu lado.” 

Não consigo aceitar as pessoas como elas são. E acredito que ninguém me aceita como sou. É muito difícil a gente ver os próprios defeitos nos outros. É intolerável, desgastante, chega a dar raiva. É o espelho quebrado, é o avesso embolorado. Nunca quis um mundo perfeito cheio de pessoas perfeitas, bem penteadas, com sorriso branco e coração de ouro. Só quero que as coisas sejam mais justas, mais coerentes, mais humanas. Acho que não é pedir muito. O mundo precisa disso: humanidade. E, também, humildade. Ser humilde para reconhecer as próprias falhas. Ser humilde para reconhecer que não consegue fazer determinada coisa. Ser humilde para ceder o lugar a quem precisa. Ser humilde para entender que ninguém é melhor que ninguém. O orgulho estraga o gosto bom das coisas. Destrói relações, atrapalha o bom funcionamento do ambiente de trabalho, faz amizades descerem a ladeira. O orgulho nos afasta de quem somos. E traz de brinde uma solidão assustadora. 

Se eu aceitasse as pessoas como elas são não tentaria modificá-las. Nem me irritaria com coisas simples. Nem sairia do sério por bobagens cotidianas. É muito difícil aceitar uma pessoa com tudo que ela traz. Assim como tenho plena consciência que é muito difícil me aceitar com tudo que eu trago. Nossas bagagens são pesadas demais até para nós mesmos. Os outros não têm a menor obrigação de carregar nossos pesos. 

O maior erro é jogar para o outro uma responsabilidade que é só nossa. Não, a culpa não é dele. A culpa é minha. Eu que não consigo te aceitar como você é. Mas se eu não aceitar amigos, família e amores como eles são vou acabar só. E ninguém quer como companheira eterna a solidão gelada. Por isso, a gente tenta daqui, tenta dali e procura se esforçar diariamente para entender. E parar de lutar com os defeitos dos outros.

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial