How deep is your love?

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Trim-trim. Telefone toca insistente. Você atende com aquela voz de não-estou-afim-de-papo-agora. É a sua melhor amiga dizendo que você não deve ficar assim, afinal de contas você era boa demais para ele. Você, louca para desligar na cara dela, solta um “aham”. Ela continua dizendo que o tempo vai te ajudar e te curar e te salvar. Novamente: aham. Ela diz que vai passar na sua casa para vocês saírem, você precisa se divertir. Você, apressada, diz que está tocando o seu bip e precisa desligar.



Você quer ficar só e esquecer que Graham Bell inventou esse aparelho maldito chamado telefone. Tira do gancho. Resolve tirar da tomada, é mais sensato. Num surto imaginativo, pensa: será que Graham Cell inventou o celular? Por via das dúvidas: end nele. Desliga tudo: você está incomunicável.



Cd do Bee Gees. “How deep is your love”. Você chora e balança o ombro feito uma autista. As lágrimas se exercitam: prova de salto em distância no seu rosto. Você olha para o bar. Johnnie Walker Black. Copo. Nada de gelo, guaraná ou red bull. Você finge que vai mergulhar, prende a respiração, vira o copo e faz careta. O líquido incendeia a sua garganta e queima a sua língua. Você pega o controle remoto e troca de cd. Goo Goo Dolls. “Íris”. Você continua balançando o ombro e recordando que, um dia, foi feliz. Esfrega os olhos, prende o cabelo, levanta e serve mais uma dose (você nem está medindo, vai no olho mesmo, enche meio copo). Ergue, coloca contra a luz e vira, vira, vira, virou. Careta. Fica meio vesga. Garganta pega fogo. Você vai ao banheiro e se olha no espelho. O que foi feito de você, meu deus? Você chora e sente pena de você mesma. Olha-se chorando e se dá conta que chora bonito. Você podia ser atriz. Faz careta na frente do espelho. Olha-se de lado. Apaga a luz e volta para a sala. Troca o cd. Leo Jaime. “A vida não presta”. Quando começa o refrão “a vida não presta, ela não gosta de mim” você se desespera e olha para o telefone. Se sente só. Se sente um pó. Dá um nó. Você troca de música. Chico Buarque. Canta bem alto “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Faz disso o seu mantra. Grita. Canta exorcizando as dores. Acende um cigarro. Fumar faz mal, você sabe. Mas você está inchada, feia, semi-bêbada e quer morrer. Dá uma tragada profunda, se engasga e solta a fumaça. Cof, cof. Enche mais o copo, faz tim-tim para cima, brindando com o ar, bebe tudo em um gole e nem sente mais a língua arder. Ana Carolina. “Eu nunca te amei idiota”. Você ri da letra da música. Rasga fotos. Tem vontade de rasgar a sua blusa e vomitar. Diana Ross & The Supremes. “Stop! In the name of love”. Levanta, trocando as pernas, se serve novamente e começa a dançar em frente ao sofá. Sacode os braços e diz “stop, in the name of love, before you´ll break my heart”. Você ri e se sente ridícula e depois chora por se sentir ridícula. Bebe. Sente o seu coração parar e latejar.



Então você se sente menor do que uma estrela que brilha no céu. E cantarola mentalmente “I feel good, tananananana...” para ver se passa, mas não passa. Você vai para a cama, deita, coloca a mão na parede e implora para Jesus fazer o seu quarto parar de rodar.



No outro dia você acorda com dor de cabeça, seu fígado e estômago de mãos dadas pedindo socorro. Toma um banho rápido e vai até a farmácia mais próxima. Eno e neosaldina. Chega na cozinha, junta tudo isso com coca-cola e mete bronca. Chegando em casa, lembra que o moço da farmácia olhou para você com pena. E se dá conta: está na cara que o seu coração foi picado com aquelas tesouras de jardinagem que têm o cabo laranja.
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