Página rasgada

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Nem tudo é visível. E eu soube disso na noite de autógrafos do meu primeiro - e talvez mais importante - livro.

Eu estava no meio de uma multidão e, de alguma forma, me sentia vazia e desanimada com tantas pessoas sem sentido, sorrisos colados com durex e com o sucessivo "obrigada".

No meio da fumaça da futilidade e dos saltos 15cm surgiu um homem moreno, de uma felicidade cinza, como bolas de gude arremessadas ao chão. Ele trazia consigo algo - ao mesmo tempo - familiar e perturbador.

Havia o burburinho, me esforcei para entender que ele havia folheado rapidamente meu livro rosa e tinha se identificado com um trecho. Antes que eu pudesse perguntar que parte era essa, o moço bonito se adiantou e disse que ele também odiava o Natal, detestava a mistura pavorosa de doce com salgado, da maçã cafona que colocam na boca do porco e daquela farofa pegajosa cheia de passas e outros ingredientes que fazem um mal danado para o fígado (vamos colocar a culpa neles, claro que o vinho é de boa qualidade!).

Eu me vi sorrindo para aquela beldade e pensei "é o homem da minha vida, nós combinamos, ele odeia Natal e é alto e usa sapatos limpos e não tem pêlos no nariz". Mais natural que o Leite de Aveia Davene eu disse: qual o seu nome?

Foi aí que o mundo parou de rodar para o lado direito e eu senti uma dor aguda no pâncreas: ele me olhou com uma tristeza sem cor e sem som. Não entendi bem nada daquilo, olhei em busca de ajuda e de resposta. E encontrei-o retirando o livro de minhas mãos e dizendo: eu sou aquele que, um dia, teve a página rasgada por você.

Um filme passou rapidamente pela minha mente: há anos atrás foi aquele que não quis me dar mais folhas de papel.
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