Confissões de um novo tempo

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Dizem que grande parte das crianças têm amigos imaginários. Aqueles que elas conversam, brincam, trocam segredos e confidências. Pois bem: eu nunca tive um amigo imaginário. Tinha amigos. Bonecas. Ursos. Irmão. Vizinhos. Primos. Colegas. Todos reais. Fazíamos desenhos tortos, usávamos linguagens esquisitas, inventávamos brincadeiras. Era assim.

Meus reflexos sempre foram bons, tenho uma coordenação dentro do padrão e um QI acima da média (juro, tenho provas!). Mas existe algo desencaixado no meu cérebro (não tenho provas concretas, são suspeitas muito bem embasadas). Nem entrarei no quesito coração, vou ficar só no âmbito racional. Só por hoje, prometo. Basicamente dividimos tudo em razão e emoção. Razão é a cabeça. Emoção é coração, sentimento. A mente fica em que parte? Eu nunca soube direito. Sou dominada por instintos e sensações. Todos os meus pensamentos decorrem do que eu sinto. Tudo o que eu sinto sai do meu pensamento. É complicado e simples, como eu. Tudo ao meu redor vive mudando de cor. O lado bom é que eu sinto o colorido. O lado ruim é que nem sempre entendo. E muitas vezes nem sei explicar. Não faz mal, a gente vive é pra sentir, nada mais do que isso.

De vez em quando a vida nos coloca em situações em que todos falam, nos sacodem, tentam nos abrir os olhos e o peito e estamos cegos. Não, é mentira, vou corrigir e me confessar: enxergamos apenas o que queremos. É por isso que inventamos desculpas e tapamos o nosso sol com a peneira de algum amor. Hoje eu posso falar, estou curada.

Durante um longo tempo fui viciada em você. Dependente emocional. Física. Química. Você me causava reações alérgicas e adversas. Me fazia um mal terrível, mas eu precisava desesperadamente de você. Você teve todos os meus sentidos nas mãos, meu coração nos seus olhos e minha vida ao seu dispor. Não estou exagerando, tampouco sendo dramática: você sabe que era assim como eu falo. Não conseguia te amar sem chorar. Por Deus, o amor era aquilo? Eu ficava dias e horas a tentar descobrir o que estava acontecendo comigo, o mundo estava doido e eu estava biruta, enlouquecida, você estava me queimando. Era fogo, queimava cada órgão e cada plano que eu fazia em papéis amassados. Mas eu insistia que te amava. Insistia enquanto dava. Não cansava. Eu te amava!

Doença. Era uma doença grave e séria. De alguma forma uma das minhas partes foi morrendo devagarinho, lentamente. Cada pedaço estava sendo corroído pela sua ingratidão e descaso. Resisti. Não queria me entregar, achava que era forte o bastante para não deixar com que aqueles dias acabassem com os meus últimos sorrisos escondidos.

Puxei a cortina para o lado e abri a janela. Um raio de sol entrou e iluminou a minha almofada de coração. Aquela cena me fez lembrar de você, hoje tudo é tão distante! Sentei e inventei uma teoria pra nós dois: você foi o meu amor imaginário. Sabe por quê? Pensei que te amava, mas não. Me enganei, foi uma paixão que veio com tudo e me arremessou pra parede fria e descascada.

O amor é impossível de ser definido, mas posso afirmar que amor de verdade é tudo aquilo que você não foi na minha vida.

(falei que tem algo fora de eixo no meu cérebro; amigos imaginários são permitidos, mas amores?)

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