Domingos de sorte

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Há os que chegam fazendo barulho e os que surgem trazendo o silêncio. E existe você, que apareceu silenciosamente barulhento.

- Oi, eu já tava indo embora.
- Já?
- Já.
- Não ia me avisar?
- Não, eu ia embora direto.
- Mas nem ia me ligar?
- Não, eu ia esperar mais cinco minutos. E ia embora.
- É mesmo?
- É mesmo.
(Cara docemente incrédula)

“... em que pela primeira vez o círculo magnético da existência de um, por acaso banal ou pura magia, interceptou o círculo do outro...”

Se eu não fosse lá naquele domingo talvez a história fosse outra. De repente a minha vida não teria batido na campainha da sua. Em uma das muitas faxinas emocionais que eu fiz, resolvi aposentar aquela velha crença das mocinhas de antigamente: a existência de príncipes encantados. Ou desencantados, pois dizem que nem tudo na vida é puro encanto. Tem gente que acredita em duendes, outros juram que já enxergaram discos voadores, alguns conversam com anjos. Eu acredito em príncipes. Acreditava. Bem lembrado, acreditava.

“... como se uma poderosa energia brotasse de algum centro longínquo, há muito adormecido, todas as princesas de todos os contos de fada desfilam por tua cabeça...”

Quando eu parei de alimentar aqueles desejos coloridos enxerguei um príncipe barbudo, que me trouxe algumas certezas misteriosas. E, com elas, alguns medos sorridentes.

- Se eu disser que gosto de você promete que não vai embora?
- Prometo.
- Eu gosto de você.
(Sorriso)
- Eu também. E não vou embora, não quero ir.

Gosto tanto de você que nem consigo reproduzir meia dúzia de letras para explicar ao certo esse sentimento. Mas quero que você saiba que é verdadeiro. Você sabe, sei que sim.

“...teu ritmo acompanharia o desenrolar de uma paisagem interna absolutamente não verbalizável...”

Escrever para mim é fazer amor com as palavras. Você suspira, fecha os olhos, sente arrepio, abre os olhos, troca carícias com as sílabas, o coração pula. Gemidos, sussurros, suor, êxtase. Só quem escreve consegue ter a dimensão do significado mágico do processo da escrita. Para a minha sorte, você entende o que vezenquando está por trás das minhas linhas, ora ingênuas, ora maliciosas. Às vezes meigas, outras cruéis. Para a nossa sorte temos problemas com números. E datas. E domingos.



- Olha pra mim.
- Olho.
- Teu olho fica pequeno e brilha muito.
- Ele deve brilhar quando olho pra você.

Muitas vezes eu disse não acreditar em coincidências, mas no destino. Acho que o destino é uma reunião de pequenos fatos que chamamos de acaso. Um agrupamento de acasos, que acontece justamente quando nós o abandonamos. Dizem que quem procura acha. Eu acho que achamos justamente no momento em que paramos de procurar.

- Quero te dar isso.
- Sei o que isso significa para você.
- Guarda pra sempre.
- Vou guardar pra sempre.

Foi aí que ele levou o meu coração.

Quando a gente se apaixona a pieguice toma conta. E não vai embora. Ela fica, como nós.

“...nesse exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva.”




* Citações: conto Natureza Viva, Caio Fernando Abreu, do livro Morangos Mofados.

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