Monossilábica

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De vez em quando eu acordo falante, outras vezes quero ficar bem quieta, respondendo sim ou não, sem ninguém reclamando que estou monossilábica. Em alguns dias adoro o meu cabelo ondulado, já em outros tenho vontade de passar a máquina na juba. Tenho insônia, mas não é frequente. Ela, por óbvio, escolhe as melhores noites para me visitar. Em geral é quando eu preciso mesmo ter uma boa e tranqüila noite de sono. Vivo me embolando nos meus compromissos, perco o foco com facilidade. Esqueço coisas, preciso fazer listas. De vez em quando me dá uma tara, acordo e resolvo organizar todos os armários, gavetinhas e gavetonas. Acordo com aquele humor incrível e acho que nada, nada vai me abalar. Em outras ocasiões, meu humor é péssimo, até eu tenho medo de mim, pois a voz das pessoas me irrita. A cara. O jeito. As perguntas. Um determinado olhar. Tudo é motivo para encher o baú da minha irritação. Sou explosiva. Minha raiva vai até ali e dá choque, faíscas para todo o lado, salve-se quem puder. Depois passa, não guardo mágoa, elas dão marcas de expressão. Você sabe, perto dos trinta elas começam a aparecer.


Tenho uma particularidade instigante: preciso da solidão. Gosto de pessoas, preciso delas, não sei viver sozinha. Mas sou mimada, preciso quando eu quero. Sou egoísta, gosto de ver televisão sozinha, sem ninguém falando junto. Sou chata, não gosto de dividir banheiro com ninguém. Sou espaçosa, bagunço as minhas coisas. Preciso da solidão pra ler, pra olhar para o teto, pra tirar ponta dupla do cabelo, pra fazer as unhas, pra pensar em tudo, pra fazer nada. Preciso da solidão pra ser eu mesma. Pra fazer alongamento, rir de mim, chorar comigo. Não entendo como tem gente que não abre a janela em dias nublados. Eu adoro janelas abertas, esteja um dia lindo de sol ou um carregamento de nuvens cinzas. Tenho que sentir o ar que vem lá de fora, seja ele qual for. Com seu gosto, cheiro, textura. Falo algumas coisas esquisitas como essa, por exemplo, ar com textura. Conheço cores que ninguém conhece, vejo alguns filmes que grande parte da população acha tosco. Não gosto de deixar as coisas pela metade, mas já deixei faculdades, relacionamentos, livros, alguns planos.


De vez em quando eu me repito. Às vezes coloco vírgulas em lugares errados. Tenho uma mania ordinária de corrigir as pessoas. Quando eu não sei como agir dou risada. Se eu não gosto de alguém fecho a cara. Não consigo fingir que tá tudo bem, quem faz isso pra mim é mestre - da falsidade. Sou radical ao extremo. E meu coração é mole. Mas até ele precisa ficar sozinho de vez em quando.


Dia desses a minha casa estava repleta de gente. Eu disse cheia mesmo. Sim, eram pessoas de bem, limpinhas, que eu gosto e me são importantes. Isso nada tem a ver com o fato de querer estar só. Por incrível que pareça não sou um bicho, gosto de gente. É bem verdade que prefiro animais, são mais sinceros. A casa estava cheia, tão cheia que eu nem tinha lugar para dormir. Então fiquei pensando: como as pessoas conseguem (con)viver com outras? Talvez eu não saiba viver em sociedade. Desde pequena aprendi a dividir, tenho um irmão. Quem tem irmão sabe que a gente divide carinho, atenção, chocolate e brinquedo. Mas eu não sei dividir a minha solidão. Acho que ela me alimenta, me dá forças. Preciso ter diariamente uns momentos meus. Sem barulho externo, sem conversa alheia, sem olhos atentos. Só eu e minhas confusões. Casa cheia, gente amada, o único lugar que eu estava só era no banho. Então eu tomava banho seis vezes por dia, pra ficar sozinha.


Você não quer acreditar, mas isso é normal. Quem gosta da própria companhia sabe do que eu estou falando.
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