Fome de olhar

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Você sabe que sou uma apaixonada por palavras. Doces. Rudes. Poéticas. Descontroladas. Palavras, palavras, palavras. Quando perguntam para aquelas atrizes bobas qual a palavra mais bonita do mundo elas dizem amor ou saudade. Que falta de criatividade! Mas vou ser pouco criativa hoje. E vou falar de saudade.


Eu sinto falta de muita gente que passou pela minha vida e acabei perdendo o contato. É hora de sinceridade? Lá vai: se eu sentisse tanta falta assim eu procuraria essa gente. Não procuro. Por quê? A correria dos dias nos desestimula a retomar velhos contatos. Me faço presente na vida de quem eu gosto, mesmo que não seja sempre. Não precisa estar colado todos os dias, com a maturidade percebemos que pra ser amigo não é necessário ser chiclete. Sinto falta de alguns gostos e cheiros da infância, sou tarada por cheiros. Cheiro diz muito, diz tudo. Relembro, com aquele ar de melancolia-não-depressiva, coisas que já passaram. Bons tempos, acontecimentos engraçados, finais de semana marcantes, férias gostosas, gente da boa.


Amo cachorros, minha primeira cadela morreu quando eu tinha quinze anos, chorei muito. Como sempre tive bicho outras também morreram. Chorei, senti falta, sinto saudade daqueles rabos balançando e daqueles sorrisos delicados. Cachorro sorri, as minhas sorriam delicado. Perdi o meu avô cedo, também sinto saudade dele. Eu era uma menina ainda, não convivemos muito, mas ele faz falta. O que eu quero dizer é que nunca tinha sentido saudade de amor.


As palavras são um pouco traiçoeiras, sabem da minha paixão por elas. Então eu fui mordida pela saudade. Você já sentiu saudade? Não de um tempo, uma época, uma blusa, um amigo, alguém que já partiu. Você já sentiu saudade de quem você AMA? Ama, GRANDE ASSIM. Ama com a alma, o corpo, o coração. Ama ao vivo, de longe, em pensamento. Ama sem aquele verniz e o pó nosso de cada dia que disfarça imperfeições e olheiras. Ama sem blush, que dá um ar saudável e jovial. Ama usando palavras antigas, como jovial. Ama com admiração, ama com vontade, com gosto, cheiro, cor, passado, presente, futuro, pretéritos, sujeitos, verbos, orações subordinadas, adjuntos adverbiais, crases, pontos, vírgulas e, principalmente, reticências. Eu nunca tinha sentido, talvez por nunca ter amado.


Interessante, eu, uma pessoa que ama tanto. Amo os meus avós, tios, primos. Amo os meus pais. Amo o meu irmão. A minha cunhada. O meu sobrinho lindo e babão. Os meus amigos de verdade. Amo a minha cadela. E amo o amor da minha vida. Ai, que papo romântico esse. Você tá pensando isso? Experimente amar de verdade. O ponto: quando se ama de verdade? Não digo que é sorte, nem destino, nem acaso ou coincidência. Não digo que está escrito, gravado ou bordado. Você vai saber quando ele chegar, pois é uma certeza tão grande, uma sensação tão plena e não pense que você se prende, é exatamente o contrário: você se liberta. Sempre fui de amar demais, nunca tive tempo de pensar com a cabeça. Meu cérebro sempre foi no lugar errado, talvez por isso tantos enganos. Depois de anos, a certeza. Com ela a mordida. E a saudade de amor.


É uma saudade que dói e a dor não é ruim. Ela faz chorar, ainda mais pra quem chora cortando cebola e assistindo filminhos de amores impossíveis. A dor que eu falo é a dor da distância. Mas ela é acolhida, pega no colo e recompensada pelo amor, aquele amor que você sabe que existe, que tem de volta, que é real, que te preenche. O amor, quando há reciprocidade, te deixa seguro, não dá insônia nem má digestão. Ele te completa, deixa confortável e mais sábio. O amor dá aula, você aprende uma coisa nova a cada dia que passa, inclusive a lidar com a saudade. A saudade de amor.


A saudade te deixa com fome. Fome daquele sorriso. Dos abraços silenciosos. Das mãos cúmplices. Dos olhares ternos. De ficar vendo o outro dormir. Dos beijos. Da cabeça encostada no peito; do barulho do coração batendo.


Apesar de doída (e de ter sido mordida) hoje pra mim é a palavra mais bonita. De todas.
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