A primeira vez

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Dizem que a primeira vez é inesquecível. E é mesmo. Certamente a sua mãe lembra do seu primeiro chute, da primeira contração, do seu primeiro choro. Primeira cólica, primeiro sorriso, primeiro dente, primeira papinha. Primeiro passo, primeira palavra pronunciada.

Você até hoje recorda o nome da sua primeira professora. Seu primeiro amigo. Sua primeira briga na escola. Sua primeira nota baixa. Primeira namorada (o), primeiro beijo, primeira transa.
Todos os começos geram medo, expectativa. Receio do que vão achar, falar. Receio do que você mesmo pensará, pois temos os nossos próprios anjos e demônios. Nossos fantasmas rondam quartos e arrastam correntes. Cuidado, seu pé pode ser puxado a qualquer instante, basta um deslize.

Não lembro o último filme que eu vi, mas lembro direitinho do primeiro. “ET, o extraterrestre”. Tudo bem, eu tinha apenas dois anos e comi muita pipoca e chocolate e outras milhares de porcarias e acabei roncando no colo da minha tia. Depois, evidente, abri o berreiro: como assim, perdi o ET? Volta o filme! Quero o ET! Meu primeiro beijo na boca foi a coisa mais estranha que aconteceu no auge da minha adolescência: sujeito desconhecido, língua esquisita, língua com língua e eu pensei “meu Deus, é assim?”. Era um baile de debutantes, voltei pra casa e escovei os dentes uma porção de vezes. No meu primeiro porre vomitei tanto que pensei que havia perdido parte da garganta. Minha primeira nota baixa me trouxe um lindo castigo de brinde: uma semana sem televisão e sem brincar de Barbie. Minha primeira cadela era uma boxer tigrada e linda que mais parecia um daqueles monges budistas: paciência infinita e doçura, mesmo quando era feita de cavalinho por mim e pelo meu irmão, dois anjinhos com bochechas rosadas.

A primeira vez que me apaixonei cheguei a ter febre. Eu tinha quatorze anos, ele dezessete. Um sentimento ingênuo, puro, morávamos em cidades diferentes e trocávamos longas e melosas cartas. Mas a ex-namorada dele engravidou e eu, de brinde, levei um magnífico pé na bunda (além de perceber-bingo!-que carregava longos e compridos chifres em cima dos meus fios dourados). Chorei, rasguei as cartas, furei os olhos dele nas fotos e assassinei o gatinho de pelúcia que ele havia me dado em uma noite qualquer, afinal, aquele era o grande amor da minha vida e aquele era o acontecimento mais trágico de todo o planeta.

Algumas primeiras vezes, hoje, são apenas recordações bonitas. Outras nem tanto. O certo é que todas, sem exceção, são inesquecíveis e, ao recordá-las, aquele sorriso inteiro (ou pela metade) aparece e bate na porta da memória remexendo sentimentos guardados cautelosamente em pequenos potes. Já outras são tão presentes, não importa o tempo que passe, que parece que foram coladas ao corpo como imã na geladeira.

Vai fazer exatamente três anos que você pegou a minha mão pela primeira vez. E eu lembro direitinho do seu toque, do calor da sua mão, do jeito como seus dedos brincavam com os meus. Seu olhar invadindo o meu, o cheiro do seu perfume que ficou na minha blusa. Do jeito como você encostou a cabeça no meu ombro e eu fiquei mexendo nos seus cabelos até o sono chegar. Então eu fugi. Não sabia se estava fugindo de algo que eu queria ou de algo que eu tinha medo de querer.

Hoje, pela primeira vez, eu sei.
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* Texto escrito em 16 de outubro de 2007, pro site www.sjonline.com.br. Vou postar aqui todos os textos que foram publicados no site, pois a partir de hoje não escrevo mais lá.
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