Quando a ameaça surge

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Por que eu escrevo? Pergunta difícil essa. Escrevo há muito tempo, mas não estamos falando de quantidade e sim de motivos. Na verdade desde pequenina sempre escrevi bilhetes, cartas, longos cartões. Era tudo cheio de frases e coloridos, você sabe que adoro uma coisa bem colorida, ela deixa os olhos felizes. Eu escrevia e entregava a, vamos supor, carta pro destinatário. E ficava ali, parada feito múmia esperando uma reação. Obrigada, adorei. Que lindo. Nossa, que amor. Lágrimas, lágrimas, lágrimas. Risadas, risadas, risadas. Sorrisos, sorrisos, sorrisos. Resumindo freudianamente ou talvez junguianamente ou quem sabe lacanianamente o que eu queria era emoção. Agradecimento é muito pouco, eu gosto é de provocar sensações. O gostar é uma sensação, o não gostar idem. A lágrima, o riso e o sorriso são sensações fortes, é emoção pura. E é exatamente isso que eu gosto (e ainda bem que causo) nas pessoas que me lêem.
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Estou enrolando você. Falei de quando eu era pequena e não estou dizendo o que me levou a escrever. Calma, nós temos tempo. Temos muitas linhas pela frente, o ouro não é entregue para o bandido tão facilmente. Cresci um pouco e continuei escrevendo para os outros, mas nessa fase eu gostava muito de escrever em cadernos. Não era um diário, nunca gostei muito dessa coisa de querido diário, ao invés disso eu falava com as paredes e dizia querida parede. Ou falava comigo mesma, querida Clarissa. A parede nunca me respondeu, já eu...
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Gosto de falar muito, escrevo na mesma proporção, escrevo todos os dias, por qualquer motivo, tenho novecentos bloquinhos e cadernetas espalhados por aí. Vejo algo na tv, na rua, na chuva, na fazenda; ouço algo que me dá um start qualquer, imagino alguma situação. E anoto, pra fazer o gancho depois. É sempre assim. De vez em quando o "anotar" vira cinco páginas, pronto, um texto. Se não anoto esqueço depois, minha cabeça funciona muito e o tempo todo, muita coisa circula por ali, inclusive sete mil bobagens. Preciso anotar tudo.
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Comecei a pintar quando pequena, fiz alguns cursos de pintura, aprendi bem bonito, já pintei quadro pra todo mundo que me conhece. Eu gostava de presentear os outros com telas. Na verdade tenho tantas telas na rua, por aí, que nem sei. Tenho mais quadros pintados que foram dados do que pendurados nas minhas paredes claras. Eu amava pintar, era relaxante, gostoso, terapêutico, me dava uma sensação de leveza. Hoje pinto pouco, muito pouco, pois nada é tão instigante, provocador e difícil quanto escrever. Dá um prazer indescritível. Dá medo, dá tudo, é uma sacola pesada cheia de sentimentos conflitantes. Não vivo sem, hoje em dia escrever pra mim é tão comum quanto escovar os dentes. E olha que eu sou limpinha, escovo várias vezes ao dia.
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Quando resolvi ter um blog? Não foi na época em que os blogs viraram modinha. A moda existia, alguns blogs eram diários e outros eram de escritores que colocavam ali os seus textos, pra todo mundo que acessa a internet poder ler. Legal, viva a modernidade! A "literatura blogueira" é um pouco mal vista, existe um preconceito danado. Mas nunca me preocupei com isso. Eu lia alguns blogs, achava legal, mas nunca pensei quero-isso-pra-mim. Livro, eu pensava em publicar? Nem sei. Um dia li um blog muito ruim, corri pra abrir o meu caderno e pensei "escrevo melhor que aquela pessoa lá". Aham, bem metida. Mas o pensamento ficou ali no canto, meio espremido.
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Um dia senti uma dor forte, que me amassava por dentro, me deixava sem ar e sem equilíbrio. Não, eu não estava doente. Ou estava, vai saber. Era aquela dor de amor, de desilusão. Comecei a escrever feito uma condenada, pra colocar tudo pra fora. E vi que aquilo tinha ficado bonito, se fosse ajustado de forma correta, pois escrever não é colocar tudo o que tem no coração. É preciso escrever com o coração, mas não apenas gritar pro universo o que vai nele. E resolvi dividir a minha dor com o mundo. E, também, é claro, queria que o filho da puta lesse tudo de ruim que tinha me causado. Assim nasceu o meu primeiro blog. Eu escrevia de um jeito desalinhado, mas escrevia. Tudo foi evoluindo, inclusive eu, então o meu modo de escrever amadureceu. Troquei de faculdade, entrei no curso Formação de Escritores e Agentes Literários (Unisinos), aprendi algumas técnicas, formas, jeitos, gêneros. Um professor é que diz "escrever todo muito escreve, o que diferencia é o dom, uns têm e outros podem escrever a vida inteira que não terão. Mesmo com uma frase curta fica evidente que o dom te acompanha desde a primeira letra do alfabeto." Me achei horrores quando ele falou isso. Cheguei a ter três blogs ao mesmo tempo, um era do Terra, o outro era este e o terceiro era de dicas de moda. Então achei o do Terra bobo, muito raso, talvez um tanto confessional. Mandei ele embora, pra bem longe. Alguns textos aproveitei, reescrevi, coloquei neste blog. O de dicas cancelei também, pois senão vira uma confusão danada, muito blog pra pouca pessoa.
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Quando ameaça doer muito a gente sempre precisa de uma válvula de escape. Na verdade aproveitei o que já existia, pois eu há muito já escrevia. A desilusão me serviu, num primeiro momento, de inspiração pra ter um blog. Conheço muita gente que escreve quando se sente feliz ou triste, é bacana isso, mas não quer dizer que elas escrevem profissionalmente. Está na moda escrever, todo mundo quer dizer que escreve. Mas não são todos que podem dizer que são escritores. Escrever não é juntar letras, vai muito além. Mas isso, bom, só quem escreve sabe.
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