Claudia e os quase

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Todo mundo já teve um amor. Ou quase. Porque amor mesmo não é assim, tão fácil, simples e básico, apesar de ser tudo isso e mais um muito. O amor é simples, é básico, mas de vez em quando usa roupa de gala. E ele é fácil, bem fácil, pois não tem mistério, nem é jogo de xadrez. Amor não é jogo, ninguém perde, empata ou é vencedor. Todo mundo se doa por opção, por querer. Na verdade amar é se ganhar de novo. Ao longo da vida a gente se perde, se encontra, se ama, desama, reama. E quando a gente encontra o amor, o amor mesmo, a gente se ganha mais uma vez.
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Todo mundo já teve um quase amor. O quase amor é aquele que ia ser amor, mas por ironia do destino, por um atraso do relógio, por um desencontro coraçãozal, por um tropeço da noite ou do dia, por uma frase colocada fora do roteiro, por excesso de gel no cabelo, por uma saia muito curta, por manias ordinárias, por manhas insuportáveis, por esquisitices da personalidade, não foi. Não foi amor, não evoluiu, não vingou, não bateu, não arrebatou, não cresceu. O quase amor é um bolo sem fermento. É uma planta sem adubo. É um scarpin com o salto quebrado. É sorriso com um pedaço de folha de alface se exibindo no dente da frente. O quase amor é a paixão que ficou de porre, acordou, levantou pé por pé, pegou a roupa, saiu de fininho, ligou do banheiro para a melhor amiga e disse "eu estava bêbada". Quase amor é a paixão que perdeu o trem, o táxi, o metrô, o ônibus, a lotação, o avião, o navio, o helicóptero. O quase amor é o amor que perdeu o cavalo, o patinete, a bicicleta, o carro, o triciclo. O quase amor é o amor que ficou perdido no meio do deserto, sem água, sem celular, sem secador de cabelo, sem NET, sem lixa de unha, sem travesseiro de penas, sem nada. O quase amor é o que vira nada um dia, o que só tem valor na lembrança - e olhe lá.
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A Claudia Tajes é uma escritora que gosto demais. A Claudia Tajes é foda. A Claudia Tajes escreve lindamente. A Claudia Tajes te diverte em uma linha e na outra também. E a Claudia Tajes tem um livro chamado "Dez (quase) amores". E o livro virou peça de teatro. E eu fui lá ver no sábado. E adorei. E, e, e. E vou te contar: o mundo está carente. As pessoas, perdidas em si mesmas e em historinhas do tempo da vovó, acreditam, desacreditam, querem alguém pra amar. E esquecem de que pra querer alguém tem que se querer primeiro. Não é mentira não, faça o teste. Olha pro espelho, fica te querendo, mais um pouco, mais, mais, mais, mas tem que se querer verdadeiramente. Bingo, quando você conseguir pode passar a querer alguém. Aviso que o amor não vem quando a gente quer, ele chega quando estamos bem distraídos, nem lembrando que ele existe. Aí ele dá as caras, se apresenta vestindo o melhor sorriso e o seu coração pára, depois volta a bater. E você acha a sua casa.
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A Maria Ana, personagem central da peça, vive amores que são quase amores. Ela é intensa, parte o coração, se recupera e segue em frente. Ela continua buscando e quase amando, sempre. A personagem nos mostra, com humor, o que existe no ser humano: a necessidade de ter alguém, de possuir um sentimento, de dividir a vida e os sonhos. O que acontece na prática? As pessoas estão tão carentes, tão necessitadas de afeto que se atiram ao primeiro sinal de emoção. Você conhece alguém e lá no fundinho pensa que aquela pode ser a grande história da sua vida. Você se apega, quer que dê certo. É claro que ninguém se relaciona pensando no erro e no tropeço, mas não é qualquer um que vira amor, me desculpe. Qualquer um é quase amor, isso sim. Amor não é apego, não é precisar. O quase amor tem disso, tem essa urgência que dá urticária eu-preciso-dele. No amor você não precisa, você apenas quer. Quer porque é no conforto daqueles braços que você tem o encontro com o mais profundo e bonito de si mesmo. Quer porque através dos olhos do amado você se vê - e gosta do que vê. E se acha bonita por isso, por gostar de como é vista. O desespero está tomando conta das relações, todos querem amar a qualquer custo e preço e esse tipo de atitude impensada só gera prejuízo e nome no SPC. Quase amores são diversos, são que nem pacote de Doritos: chegam pela metade. O Amor com "A" maiúsculo vem completo. Você vai saber quando ele chegar.
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A peça fica em cartaz até o dia 7 de dezembro, não deixa de assistir. Eu fui ver. O detalhe: não assisti com o quase, mas com o meu AMOR. Inteiro e maiúsculo.
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