Assim (desen)caminha a humanidade

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Já falei qualquer dia e quaisquer inúmeras vezes que gente descolada me dá coceira. E dá mesmo. Estava eu lendo a Veja, pois nem só de Contigo, Nova e Marie Claire vive uma mulher e fiquei pasma com a Pitty. A Pitty, roqueira tatuada e, descoberta minha, descoladérrima. Não basta ela querer equalizar você numa frequência, sem trema, que só a gente sabe. Pra ela não é suficiente te transformar em uma canção e acredite: ela gosta mesmo de você bem do jeito que você é. Dona Pitty tatuada e roqueira e palavruda disse a seguinte frase (tá lá, eu não minto, abre a revista e Veja com os seus próprios olhos azuis, verdes ou cor de vila como os meus): "Meu grilo não é o meu parceiro sentir desejo por outra pessoa. É o fato de eu não saber. Eu quero me sentir incluída. A mina é massa? É gostosa? Me leva junto!". Agora interrompe a leitura do texto e volta pro grilo. Grilo, pra mim, só o falante. Eu detesto barulho de grilos. Abomino gente que me chama de "cara". Se for mulher, pior. Soa algo nenhum-pouco-nada-de-nada-feminino. E eu sou bem mulherzinha, apesar dos pesares. Porque eu adoro sentar no chão, falar palavrão, beber que nem garotão (pra rimar com chão e palavrão) e dar arrotão. Já fiz muito campeonato de arroto nesta vida, senhor. E você já sabe do blá blá blá: mato barata na boa, troco lâmpada na boa, não faço fiasco à toa. Mas, tudo tem um "mas", tenho medo de trovão, não lavo louça no dia em que faço a unha e fico nervosa quando alguma calça fica apertada. Tudo isso você sabe, vamos então ao que você desconhece.

Não vou falar mal dos tatuados, pertenço ao clube. Tenho quatro tatuagens, alguma vergonha na cara, muitas sardas que contam histórias, um par de olhos cor de vila, nenhum parente importante, quase nada de dinheiro no banco, mas sou limpinha, dou abraço apertado e não sei mentir. Como nem tudo é azul eu falo algumas gírias, cometo gafes de todos os tamanhos, volta e meia eu furo com os amigos. Jantares, aniversários, festas, batizados, casamentos. Clarissa é convidada, Clarissa confirma, Clarissa inclusive pensa no modelito, Clarissa chega a marcar hora no cabeleireiro gay, Clarissa fura na última hora. Antes disso, Clarissa diz: tô chegando, já tô indo. E a ida acaba não indo. Os amigos, antes, ficavam revoltados, depois disseram que ela é assim mesmo, ela é assim mesmo. Eu sou muito perdoada, obrigada, vocês vão pro céu. Já eu, pelo jeito, vou pro inferno. Se lá pode beber, fumar, falar bobagem, contar piada e esquecer o final, ver filme pornô, jogar Imagem & Ação, roubar balas da gaveta do meu avô, fazer fofoca e caluninha do tipo a Angelina Jolie tá cheia de rugas, tô dentro!

Fico muito brava e sou invocada. E eu mudo o tempo todo. Coisas simples me deixam furiosa, coisas bobas me fazem feliz. E eu fico muito feliz e triste também. E de vez em quando é tudo ao mesmo tempo e eu nem sei direito como a coisa toda surge e alterna e me deixa meio desgovernada, feito avião sem piloto, apertem os cintos, a Clarissa acordou com o pâncreas invertido. Acontece, acontece raro, acontece muito. Não pense que sou bipolar ou qualquer coisa similar. Já fui naqueles médicos que tratam da mente, da gente, aqueles que a gente sai meio dormente. Normal, você é normal. O humor oscila, mas é dentro da normalidade. Doses altas de ansiedade e traços de hiperatividade, fique sossegada, não é o caso tarja preta. Já tomei florais, fizeram um bem danado. Sei lá se é de verdade ou de mentira ou é psicológico, o que sei é que eu sou mulher e tudo que me dizem que funciona eu vou lá e testo. O máximo que vai acontecer é eu ficar mais pobre e falar mal do produto-remédio-qualquer-coisa pra todo mundo. Eu falo muito e rápido e troco de assunto como puta troca de cliente. E eu sou ciumenta, tenho ciúme das minhas coisas. E eu sou possessiva, muitas coisas são minhas. Amigos, família, objetos, cachorro, quadros, livros, namorado. Tudo m-e-u. Ser assim dói vezenquando. Vezenquando dói ser assim. A gente leva, tenta contornar, faz força pra não pensar, mas dói. Dói doído. Dói sofrido. E depois passa, a dor vai sumindo que nem estrela que vai se apagando. No lugar dela, nova estrela. Assim eu vou, eu vou, pro assunto agora eu vou.

Pitty, parabéns, você está na moda. Fico pensando se é tudo verdade ou só pra parecer legal. É que hoje em dia é legal relacionamento aberto. Certa feita ouvi um amigo dizer que o ponto máximo de um relacionamento é não sentir o menor ciúme se o outro transa com outro. Eu sei que tá confuso pra você também, titia explica: você e seu par se amam, o sexo é ótimo, vocês se respeitam e querem dividir os sonhos. Que gostosura, não? Eis que vocês, apesar do sexo ótimo e vamos frisar o sexo ótimo, querem dar uma apimentada (eu acho horrível essa expressão) na relação. Amorzinho, faz assim: você come a Fulaninha, que pode ser nossa amiga ou uma funcionária da calçada e eu dou pro Beltraninho, que pode ser teu ex-colega-de-campeonato-de-carrinho-de-rolimã ou um michê tri gostoso, tchê. Certo, meu bem, hoje é o dia da fodelança então. Quatro horas depois os dois voltam para a casa, suados, cansados, tomam um banhinho, afinal, lavou tá novo e deitam um ao lado do outro. Beijo de boa noite, vamos dormir. Ou então, se o casal tem disposição, condicionamento e tesão, eles fazem um amorzinho gostoso. E fica tudo bem. Se o relacionamento for bem aberto mesmo, escancarado, sem o menor verniz a coisa vira um tricô. Posições, gemidos, sussurros, arranhões, puxões de cabelo e tapinhas na bunda, revelações. Quer ir mais além? Volta pra metade do parágrafo: você e seu par se amam, o sexo é ótimo, vocês se respeitam e querem dividir os sonhos. Que gostosura, não? Eis que vocês, apesar do sexo ótimo e vamos frisar o sexo ótimo, querem dar uma apimentada (eu acho horrível essa expressão) na relação. Amorzinho, faz assim: podemos chamar a Fulaninha, que pode ser nossa amiga ou uma funcionária da calçada ou o Beltraninho, que pode ser teu ex-colega-de-campeonato-de-carrinho-de-rolimã ou um michê tri gostoso, tchê e então o ménage tá garantido. Também pode virar uma grande homenagem, o quatrilho, suruba total, chama a funcionária e o michê e a gente faz um troca-troca.

Pitty e Brasil, preciso falar: não tenho estômago pra esse tipo de coisa. Vamos deixar claro que uma coisa é fantasia, filme, imaginação. Outra, bem diferente, é a realidade, uma terceira, quarta, quinta, sexta...pessoa, pessoas, multidão. Relacionamento, pra mim, é fechado, dois, dupla, homem e mulher. Eu tenho muitos amigos gays, respeito, me divirto, são ótimos amigos. Não tenho nada contra, mas meu negócio não é esse, não trabalhamos com gente do mesmo sexo. Cumplicidade e intimidade, então, é não sentir o menor ciúme se o namorado come uma mulher nas suas costas ou na sua frente - e ainda te chama pra participar? Desculpa, então não sou íntima nem cúmplice do meu namorado. Sexo é coisa séria. Tudo bem que tem gente que acha que é brincadeira, as do funk vão para os bailes de saia curtérrima e uhu, moçada, pode vir! Respeito quem acha bacana abrir as pernas com a mesma naturalidade com que eu faço escova no cabelo. Só não me peça pra achar normal, não acho. Eu sou anormal mesmo, sexo é dois, amor é dois, um anda no colo do outro e não vejo o menor sentido em homem que paga mulher pra transar. Certas coisas não entendo, me sinto deslocada na maior parte do tempo. O amor é livre, as pessoas se unem porque querem. Sabe aquele papo "a gente não se separa por causa das crianças"? Não acredito, filho algum segura casamentos de qualquer espécie. Duas pessoas permanecem juntas por interesse, seja ele qual for. Amor, sintonia, falta de opção, vai saber. Tem gente que morre de medo da solidão, pessoas bobas, a solidão de alguma forma sempre acompanha a gente, ela mora no nosso sótão, por favor não faça barulho. Amor é liberdade e é justamente a liberdade que deixa as pessoas com ar. Acho estranha uma relação aberta e livre. Liberdade no relacionamento não é todo mundo trepar com todo mundo. Liberdade é além do sexo, além do carinho, além de tudo. A liberdade você só conquista amando. Não creio que você não sinta uma mini ponta de ciúme se o namorado come a vizinha de vez em quando. Em algum momento você vai se perguntar se ele prefere ela ou se ele não é feliz ou o que acontece, afinal, com vocês. Cada um com a sua preferência, só não venha dizer que tá tudo bem, que é natural. Natural é a fidelidade, é beijar uma boca, transar com uma pessoa, amar um só - ou deveria ser. Isso sim eu acredito, cara Pitty. E se é pra botar as cartas na mesa, vamos lá: me incomoda sim saber que o "meu parceiro" (que coisa cafona) pode sentir desejo por outra pessoa. Não quero que me inclua, quero que não sinta. Porque mulher é assim: quer ser única até o fim.

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