Na falta da toalha...

By | 14:29


Fiquei chateada. Provavelmente você dirá que a decepção faz parte da vida, sabemos que sim. Saber é uma coisa, entender é outra. E são coisas bem diferentes, pode crer. Por que será que a gente vive desapontando alguém?, eu penso. Por que será que a gente vive se desiludindo?, reflito. Não sei, sei? Na verdade acho que nunca vou saber, pois apesar de entender que isso existe, sempre existiu e vai continuar existindo - eu querendo ou não - não sei o que me leva a pensar que tudo pode ser diferente, pelo menos por 24 horas.
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Não queria me importar tanto. Falo sério, sinto muito tudo ao meu redor. De vez em quando falta espaço pra mim aqui dentro, parece que o ar vai diminuindo, imagine um dia quente, no melhor estilo calor-infernal-de-Porto-Alegre, dia fervendo, você com roupa de astronauta, em plena sexta-feira dentro do Ocidente, sem poder respirar, andar ou falar. Acrescente alguém com a mão no seu nariz, impedindo a entrada do quase inexistente oxigênio. Coloque uma pitada de muitos corpos suados e com Rexona vencido. Tirando o eca-eca-que-nojento, é assim que eu me sinto - vezenquando - vestindo o meu próprio cérebro e tendo como acessório o meu impróprio corpo. E vice-versa, pois às vezes o acessório é o cérebro e se não fosse assim os homens não olhariam primeiro para a nossa bundinha ou, no meu caso, bundão.
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Há quem magoe sem saber, através de uma palavra mal colocada ou de um gesto que nem chegou a nascer. Há quem magoe sabendo bem o que faz, sentindo aquele gosto de sangue maduro escorrendo pelo canto da boca. Uma pedrinha de gelo e um guarda-chuvinha pra dar uma embelezada no visual, por favor. Você sabe, contrariando Sprite's da vida, imagem é tudo. Se não fosse a imagem você sairia pelado na rua. Se não fosse a imagem você não guardaria meia dúzia de palavrões dentro da boca quando o seu vizinho filho da puta coloca o som no volume 28. O problema é quando você vive para sustentar uma imagem, aí é que a coisa enrosca. Pra mim aquele papo do não-devo-nada-pra-ninguém-foda-se-o-mundo é enganação pura. Feliz ou infelizmente nós vivemos em sociedade. A sociedade apresenta basicamente dois tipos de elementos (sendo radical e simplificando): calhordas e não-calhordas. Se você é um calhorda entenda que um dia farão calhordagem com você. Se você é um não-calhorda compreenda que inevitavelmente uma calhordagem esbarrará em você em uma esquina imunda qualquer. E aí, quem dá mais?
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Já ouvi gente dizer que tanto faz, se todo mundo é filho da mãe o negócio é entrar na dança. Desculpa, esse passo não aprendi e não nasceu comigo. Não sou ingênua, mas não tenho a menor vocação pra Puxadora de Tapetes. E quero contar pra você que já puxaram o meu. Não foi uma vez, hein? Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar? Ah, cai! Se cai! Trouxamente, burramente, tongamente, toscamente, continuo acreditando. Não me pergunte o motivo, não queira saber o que me move. Meu coração é mais mole que sagu de buffet com mosca ao meio-dia. Já levei algumas cacetadas consideráveis e dignas de textos esdrúxulos nesta vida. Ainda assim, pode me chamar de bobinha, mas eu acredito. Sabe o pirralho que mora no morro? Ele sabe que o irmão virou traficante, que sai todo dia armado de casa, que pode não voltar, mas quando volta é com o bolso cheio de grana fácil. O pirralho sabe que o irmão só pega mulher boa. O pirralho sabe que o irmão usa relógio de ouro e tem carrão importado. E tudo tá pago, bem pago, em cash. O pirralho sabe. O pirralho sabe que o irmão que morava no morro com ele hoje mora num duplex. E o irmão traficante já chamou o pirralho pra "subir na vida". Sabe a resposta do pirralho? Não, não quero, eu quero estudar e ser professor de História. O traficante ri da cara do pirralho. Ri aquele riso de deboche, aquele riso que um dia vai paralisar com um tiro bem no meio da boca. Os dois foram educados da mesma maneira, um optou pelo caminho mais fácil, o outro pelo mais difícil. Eu digo que optei pelo mais difícil: eu acredito.
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Tem muita gente descrente por aí. Da vida, dos outros, do trabalho, do amor, da segurança, de tudo. É que nem o lixo: pra quê vou colocar o papel do Trident no lixo se todo mundo joga no chão? Se todo mundo esqueceu a educação em casa você também vai? Olha, eu coloco o papel, por menor que seja, dentro da bolsa. E se não tem bolsa é no bolso. E se não tem bolso procuro um lixo. E se não tem uma lixeira perto eu peço pra alguém colocar na bolsa. Pra tudo dá-se um jeito. Só não dou jeito em mim. Juro que de vez em quando eu queria desistir, eu juro! Alguma coisa dentro de mim, quem sabe a mesma coisa que faz com que eu me importe tanto, essa coisa não me deixa desistir. Não dou o braço a torcer, sou orgulhosa, bato o pé, sou a Rainha da Cabeça-Durice. Então passa uma semana, duas. Mesmo que eu tenha a razão, penso, reflito, decido dar o primeiro passo, afinal, alguém tem que fazer isso. Em geral a gente aprende antes de um ano de idade, pelo menos um, um passinho miserável. Dou o passo, ainda que cambaleante, esperando o outro lado (quem sabe?) cair em si ou fazer o mesmo ou meu Deus, qualquer coisa, desde que faça. E o outro nada, neca, fechado pra balanço. Recuo, então.
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Fiquei chateada. Vi que nunca vou deixar de ser trouxa, eu e meu coração mole cheio de mosca comendo o sagu igualmente mole. Tudo bem, penso eu. A vida segue. Ser humano é aceitar que a decepção faz parte da vida. A esperança, como boa guerreira, consiste em não saber ao certo se o outro quis de fato magoar você ou se foi tudo sem querer. Tomara que ele descubra. Tomara que, enfim, as coisas possam voltar a ser o que eram. Talvez um pouco arranhadas ou até coladas com algo que grude e não mais solte. Tomara que, ainda que seja uma costura paraguaia, um abraço ainda possa ser dado. Fiquei chateada, mas não a ponto de jogar a toalha, isso é demais pra mim, um ser que acredita. Até agora só joguei o sutiã. Espero que você não tenha desaprendido a caminhar.
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