As coisas que não nos contam

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Aconteceu no sábado. Eu sabia, tinha certeza que eles estavam certos. Sei que pra tudo na vida tem uma primeira vez, só que apesar de saber que eles estavam certos, ninguém me avisou. Alguém podia ter dito, mandado um torpedo, feito uma ligação, jogado pedrinhas na minha janela, uma coisa bem anos sessenta. Podiam ter escrito uma carta ou um e-mail, sei lá. Quem sabe um recado no Orkut, Facebook, Twitter ou alguma modernidade inventada.


Sei que a primeira vez tem um impacto grande na vida de qualquer um. A maior parte das pessoas relaciona a expressão "primeira vez" com sexo. A vida é cheia de primeiras vezes. E a gente tem que agradecer e, em outros casos, se conformar com isso. É o preço que pagamos por estarmos vivos. Que frase mais filósofa-deprê-quase-auto-destrutiva. Mas é. Me disseram uma vez que tudo tem um preço e eu, hoje, começo a acreditar nisso. Eu sabia, tinha certeza que eles estavam certos. Por que achava que ia ser diferente a minha primeira vez?


Como foi a sua primeira vez? A minha foi bem dolorida. Mas isso eu sabia, tinham me dito. Sai sangue em maior ou menor quantidade, conheço gente que até nem saiu, foi sair só no outro dia, outros estão esperando o bendito sangue até hoje. Essa coisa de sair sangue é meio lenda, meio verdade, sei lá, mas antigamente as mulheres tinham que provar que eram virgens e então a prova da virgindade era o sangue no lençol, mundo, preste atenção, este foi o primeiro homem que eu dei, vejam a prova, olhem o meu sangue bem aqui neste lençol claro que é quase branco. Faça-me o favor! Teve uma novela, não lembro qual, ah, acho que era daquela cigana, a Dara, lembram? Então, a Dara já tinha comido a merenda antes do recreio, mas casou e contou para o marido (não lembro o nome do raio do homem) que já tinha feito coisinha. A solução foi ela cortar um pouco a parte interna da coxa, quase a virilha, então jorrou sangue e ela colocou no lençol, ciganada, sou virgem e pura, aliás, era virgem e pura até o meu marido créu em mim. Que barbaridade! Até a virgindade pode ser falsificada, vejam no que o mundo se transformou.


Recentemente vi uma declaração da top Adriana Lima, aquela que créuzava com o Lenny Kravitz. Ela tem exatamente a mesma idade que eu, leia-se 28 anos, e casou em fevereiro com um jogador de basquete da NBA muito, muito feio (com um nome igualmente feio, leia-se Marko Jaric). Bom, o fato foi que ela declarou que só tinha feito coisinha depois do casamento. Pelo que eu li houve um tumulto: jornalistas incrédulos, amigos incrédulos, os jogadores incrédulos, as tops incrédulas, eu não quis ficar diferente e, bem, vocês sabem: incrédula também. Mas foi por um motivo diferente: por favor, deixem ela e a periquita dela! Se ela transou ou não antes, mundo, ninguém tem nada a ver com isso. Ah, mas ela é top, é famosa, como pode? Podendo. As pessoas têm suas crenças, favor respeitar. Ela não precisava mentir, o que ganharia dizendo que era virgem? Dá muito trabalho cortar a própria virilha pra simular um sangue no lençol...sério, não acredito que ela tenha mentido e acredito menos ainda que isso seja relevante com tantos mendigos pedindo esmola e tantas crianças ranhentas pedindo moedinhas nas sinaleiras.


Acabei fugindo do assunto. Entenda, para mim isso é difícil. Não sei lidar muito bem com perdas e primeiras vezes. Voltando ao ponto, é notícia no mundo todo, você abre qualquer revista e lá está, a sua mãe explica, a sua amiga também: a primeira vez dói. Quando eu transei a primeira vez pensei "nossa, que coisa bem ruim, não sei se quero isso". Contei para a minha mãe e ela então me explicou que no começo é assim mesmo, depois vai ficando bom e a gente até esquece de como era ruim. A primeira vez foi ruim, a segunda também, a terceira também, calma, a quarta começou a ficar melhor, a quinta ô, a sexta ah, a sétima...ok, não vou contar meu histórico. Mas vai melhorando, a primeira vez não é parâmetro para nada, fiquem tranquilos. Mas eu sabia que doía. Eu sabia que melhorava. Eu sabia, estava preparada, sabia mesmo, eu juro. É um processo físico e psicológico, mais psicológico do que físico, você tira a roupa e a outra pessoa também e beijo vai e beijo vem e daqui a pouco você sabe que vai sentir uma coisa e ai, que dor. Tinham me avisado.


Eu sabia que ia acontecer, sabia, sabia, sabia. Mas achava que era muito distante, afinal, nem tenho trinta ainda. Sou nova, uns dizem. Sou velha, os adolescentes devem pensar. Quando eu tinha quinze anos pensava que com trinta seria adulta, uma careta, velhusca, casada e com filhos e cortinas de rendinha, logo eu, que odeio cortininhas rendadas. E dos quinze para os dezoito foi um pulo. Dos dezoito para os vinte é outro pulo. E quando vi estava com vinte e cinco. Podia ter parado ali, mas os anos têm péssima audição. Vinte e seis, vinte e sete e, agora, vinte e oito. Não sou tão nova, mas definitivamente, eu disse de-fi-ni-ti-va-men-te não sou velha para ter cabelo branco! E aconteceu: no sábado eu estava dentro do carro, paramos num posto de gasolina qualquer, enquanto o frentista colocava gasolina eu fiz o que faço de costume e baixei o espelho e fiquei me olhando, eu adoro ficar me olhando, deve ser porque a imagem refletida é realmente linda. E branca. Não, não falo da pele. Eu vi. Eu vi e revi e vi mais uma vez e pensei meu-Deus-é-o-fim. Chamei ele, perguntei isso-é-mesmo-um-cabelo-branco e ele disse não-é-um-são-dois. O quê? Cabelo branco não gosta de solidão, deduzi. É o fim, pensei de novo. Foi então que procurei mais ajustadamente, deixando a emoção de lado e me conformando que sim, um dia eles aparecem, tudo tem a sua primeira vez, eu sei que dói, mas ninguém me preparou pra isso, não num sábado, não naquele dia, não agora, por favor. Procurei mais um pouco e percebi: era apenas o reflexo do sol, fio dourado que dependendo da luz parece branquinho da Silva. Pelo menos é o que eu quero acreditar.




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