Nosso amor de ontem

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O ontem é uma pulga na orelha que coça até formar ferida. Eu deveria, poderia. Eu faria, queria. É ruim olhar para trás e perceber que a gente faria diferente. E acredite: sempre que olhamos para trás, por melhor que a coisa tenha sido conduzida, achamos que podia ter ficado melhor. Pelo menos os perfeccionistas são assim, ou seja, eu.

De vez em quando parece que a vida é uma prova, preciso tirar a nota máxima e passar de ano sem pegar recuperação. Nada de aulas particulares, noites em claro debruçada em livros: todo mundo quer um dez, sem esforço, é só usar o poder do plim e tudo se resolve. O poder do plim, para quem não sabe (ou não acompanha este humilde blog) é o poder da varinha mágica: aquela varinha bonita, com uma estrela colorida e com glitter na ponta e que faz Plim, pronto, suas aflições não mais existem. Só que tudo exige suor, ginástica cerebral, musculação neuronial. E você só entende e aceita isso quando cresce.

Olhando para o passado me dou conta que não precisava ter me estressado tanto com coisas inúteis. Sempre tive quem me explicasse isso. Minha mãe, apesar de ser extremamente estressada, me diz quase diariamente que eu arrumo problemas. Eu arrumo mesmo, assumidamente. Quando a minha vida está free, trânsito livre, eu invento um congestionamento. Buzinas tocam sem parar, gente mal educada coloca a cabeça para fora da janela e fala obscenidades. Eu podia ter sido menos impulsiva, menos dramática, menos emotiva, menos chorona, menos infantil, menos preguiçosa. Eu podia ter pecado menos. Podia ter deixado para trás todo o lema da sociedade absurda em que vivemos: tem-que-ser-tem-que-ter-tem-que-fazer. As pessoas fazem sem vontade. E eu gosto é de saborear a vida.

A gente tem que rir. Tem que ir. Tem que maneirar o palavrão. Tem que sentar de perna fechada quando tá de saia. Tem que falar baixo em hospitais, restaurantes, cinema, no meio da rua. Tem que rir baixo. Tem que acertar. Tem que escrever texto bonito. Tem que fazer um bom título. Tem que ser amiga. Tem que estar disposta. Tem que ser boa filha. Tem que ser boa irmã. Tem que engolir sapos. Tem que ser uma boa namorada. Tem que levantar todo dia cedo. Tem que arrumar a casa. Tem que fazer escova. Tem que dar bom dia. Tem que atender o telefone. Tem que levar o cachorro para passear. Tem que levar o filho para a escolinha. Tem que fazer o almoço. Tem que limpar os vidros. Tem que mandar o carro para lavar. Tem que conversar com o vizinho no elevador. Tem que ir ao supermercado. Tem que ir ao banco. Tem que fazer as unhas. Tem que ir ao médico. Tem que fazer exames. Tem que se alimentar direito. Tem que passar protetor solar. Tem que tentar seguir os 10 mandamentos. Tem que cometer menos pecados capitais. Tem que...porra, a gente tem que ser boa em tudo!

A vida é curta e intensa demais para tantas regras. Tudo nos é imposto. E para tudo a gente paga imposto. As pessoas não têm mais opinião, por isso elas andam cheias das citações. “Barak Obama disse que”, “A Fátima Bernardes falou no Jornal Nacional”, “O Lula deu uma declaração”. E o que você acha e pensa a respeito da vida? Por falta de leitura e excesso de televisão e conversas Big Brotherescas as pessoas esqueceram de tentar descobrir quem são. Eu assisto Big Brother, vejo Jornal Nacional quando dá tempo, fico ligada nos jornais. Mas eu tenho opinião. Tenho que ter.

Mulheres adoram dizer que fazem o que querem, que conquistaram a tal liberdade sexual, mas ainda morrem de medo de levar o rótulo de putas. Fulana é galinha, fácil, dá logo na primeira noite. Elas pagam as próprias contas, são donas do próprio nariz (plastificado ou não), têm a própria vida e individualidade, mas ainda assim se preocupam com o que os outros pensam a respeito delas. Ou de seus comportamentos. Vão se escondendo atrás de coisas que nem sabem direito o que são. Têm vergonha, pensam uma coisa e falam outra, puro medo do rótulo. O rótulo é uma maldição. Se você, um dia, ficou com dez mulheres em uma festa os seus amigos dirão que você é o pegador da turma. Mesmo que você nunca mais pegue nada, nem otite. Fulano é o fodão. E durma e acorde com isso, é a sua sina. Ninguém pensa que naquele dia o cara só tava querendo se divertir, era uma noite carnavalesca e nada mais.

Você tenta ser politicamente correto: separa o lixo, toma banho rápido, usa pouca água para lavar o carro, blá blá blá. Seja certo, apenas faça. Faça caridade, faça o seu trabalho, faça como todo mundo diz que tem que ser. Seja um robô, pense que ontem o seu comportamento poderia ser outro, imagine que amanhã você fará tudo o que é para ser feito. O quê?!?

É difícil viver desse jeito, sem saber direito para qual lado ir e, ainda assim, apenas ir pra onde todo mundo vai. Fila indiana, todos indo, fazendo, agindo, dizendo. Ninguém quer ser diferente. Ou então quer, mas aí botam para quebrar: excessos. Tatuagens, cabelos pintados de verde, muitos anéis e roupas estranhas. Ou, ainda, o estilo eu-sou-moderno-e-não-ligo-para-ninguém. Conheço gente que adora posar de moderna, tipo: sou cult, cool e todas as palavras que soam bem e começam com "c". Você é um cu, isso sim. Seja por ser, não seja para aparecer. Seja você, não seja para ser seguido. Se te seguirem, ótimo, mas não crie personagens só para ser lembrado em rodas e eventos sociais.

Hoje estou rebelde. Meu Dia Rebelde, com licença. Eu gostaria muito de estar em casa, sem roupa, com as janelas abertas, dançando sem música, com uma garrafa de qualquer coisa que desse um baratinho na mão, agora mesmo, nem são meio-dia ainda. Eu queria estar descabelada, de pé no chão, sem me preocupar com o que vão pensar, porque inevitavelmente, por mais seguro que você seja, você sempre se preocupa com o que acham. Blé para essa gente. Blé blé blé. Queria estar lá, na minha, esquecendo que existe o Lula, que o Inter fez 100 anos, que a crise tá fodida, que existe corrupção, fome, miséria e televisão. Eu queria estar pelada vendo um bom filme, lendo um bom livro ou fazendo qualquer outra coisa boa, como escrever ou sexo, que é bom e todo mundo tem vergonha de dizer. E se diz, é tarado. Eu queria comer um ovo de Páscoa adiantado e inteiro e sem culpa. Queria mandar a vizinha tomar no rabo e parar de buzinar todo o santo dia de manhã. Queria dizer para algumas pessoas que elas são burras e vão morrer burras se continuarem a agir do modo que agem. Queria escrever uma carta para todo mundo que eu amo. Queria que as pessoas vivessem inteiras e não pela metade. Queria que elas sentissem e pensassem inteiro. E claro. Porque é difícil pensar claro, sentir claro, amar claro. Hoje eu queria simplesmente não fazer nada, não me preocupar com o que passou e com o que virá. Queria não me poupar da vida. Queria ser uma sem juízo. Queria esquecer que a gente tem que fazer, tem que ser, tem que ir. Por isso, Vida Minha, hoje eu quero ter amnésia. E um sofá bem fofo para assistir todas as temporadas de Sex and the City, com Twix e qualquer bebidola para dar um barato. Pelada e sem culpa.

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