Deu zica

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Lembrei daquele dia em que eu fugi. Falei pra onde ia, deixei recado e o telefone de onde estaria. E mesmo assim fugi. Arrumei a mala e fui com aquela sensação de tô-indo-abraçar-a-minha-vida-e-volto-quando-der. Não sei se você já sentiu o gosto docinho da irresponsabilidade pé no chão. Essa é uma de minhas teorias: a irresponsabilidade pé no chão é aquela que você sabe que tá fazendo merda, mas pelo menos um dedo do pé encosta no chão duro e real. Então eu fugi. Eu e a irresponsabilidade pé no chão.


No avião eu pensei putz, vou dar um abraço gostoso na minha vida e nem sei se quero voltar. É que quando a gente abraça a vida sem medo da altura, sem medo da queda, sem medo de se quebrar, meu deus do céu, tem outro sabor. Esqueci do medo de voar, deletei traumas passados. Olhei pro céu, estava pertinho das nuvens, de frente pra minha vida, quase tocando a liberdade. Eu estava me salvando.


Cheguei lá. Lugar bonito, cheio de natureza, cheiro de mar, uma coisa selvagem aconchegante. Entrei no quarto, larguei as coisas e fui pra janela. Visão linda, eu em paz, sorriso que invadia o mundo e ansiedade que mal cabia no peito. Os planos saíram da mala, eu vesti o melhor de mim. Tomei três cervejas quentes pra coragem se apresentar, fumei uns cigarros amassados e coloquei meu perfume preferido. Tudo estava claro dentro de mim. É interessante como luzes se acendem dentro da gente.


O lado de lá estava escuro. Não percebi. Cheguei toda toda, cheia de histórias e lirismos absurdos. Eu e minhas contradições. Tão prática e tão sensível. Tão doce e tão arredia. Tão lúcida e tão sonhadora. Tão valente e tão mimada. Tão durona e tão molenga. Amoleci. Perdi a fala, a chance, a esperança. Por causa de um gesto - ou a ausência dele. Por ele. Porque a gente se perde quando joga a vida nos braços de outro. A gente se enrosca, se torce, se rompe. E um tempo depois descobri que ensinamentos não chegam por acaso. Eles nos mostram que é preciso haver uma mudança funda. É necessário a persistência, a clareza. A gente precisa se ver, se tocar, se sentir. Só depois enxergar outras partes. Ainda que essas partes sejam parte de nós.


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