Na frente do quadro negro

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Eu descobri que algumas coisas chegam com o tempo. O entendimento, por exemplo. É preciso se apaixonar muito para encontrar um amor. Muita gente consegue tirar a sorte grande e achar um amor fresquinho bem rápido. Pensando bem, isso acontece pouco. Não é para muitos não. O mais comum é você cair do cavalo, da égua ou do jumento muitas vezes, aí sim o amor chega abraçando a vida. E limpando os machucados que, por ventura, surgiram nas muitas quedas.

Me apaixonei muitas vezes. A primeira grande vez foi ainda menina, bem nova. O moço era um menino também e, suponho eu (juro que prefiro manter a imagem doce que criei), se apaixonou por mim. Vivemos um clima de paixão aos seis anos de idade. Então eu me mudei para Porto Alegre, nos reencontramos bem depois. O mocinho virou um moção, com quase 2 metros de altura. Rimos da paixão infantil. Nenhuma saudade ou mágoa, ainda bem. Algum tempo depois, já quase adolescente, me apaixonei pelo professor de matemática. Ele era lindo, tinha os olhos verdes, usava óculos, era casado, tinha três filhos e era evangélico. Sem chance. Mas eu adorava as aulas dele, passava o tempo inteiro observando o que ele fazia. Prestar atenção que é bom, nada. Sempre fui péssima em matemática, mas não o culpo, minha falta de talento para contas e equações vem desde a época em que eu me encontrava na barriga da minha mãe. Fui apaixonada pelos meninos mais velhos da escola, nenhum deles dava bola pra mim. Mas eu ia aos jogos de futebol, torcia, alcançava água e toalha. Uma legítima serviçal futebolística. Já contei que também fui apaixonada pelo professor de inglês? Ele era gay, bem gay. Mas tinha um charme e um bom gosto pra se vestir que só vendo! O primo de uma amiga já foi alvo das minhas paixões. O melhor amigo da minha prima também, mas não deu muito certo. Morávamos longe, ele tinha uma ex-namorada que passou a ser atual-namorada e eu dancei. Pensando melhor, dancei muitas vezes. Já me apaixonei pelos meninos que me tiravam pra dançar nas Reuniões Dançantes. Ao som de Roxette, dançava a muitos metros de distância, cuidando para não arrotar sem querer. É que na minha época a gente só tomava Guaraná, entende? Com muita sorte era morna, porque o normal era quente. Eu adorava a "Listen to your heart". Sempre ouvi meu coração. Adorava muito "It must have been love". Achei que tudo era amor. Coisa de criança, adolescente boba, quase adulta maluca.

A paixão é saudável e exercita o coração. Ele corre, puxa ferro, faz ioga, pilates e spinning. Sua, mas fica em forma. É com a paixão que aprendemos frases como "nunca quis tanto alguém assim", "minha vida só faz sentido com ele" e "preciso tanto de você". A paixão é um extremo, tira do foco. A gente age por impulso. O desejo salta pela boca, a falta berra pelos olhos. A paixão pode enlouquecer. Nunca me reconheci apaixonada. Saio do prumo, faço maluquices, crio letras de música, corro o mundo, perco o sono, me falta a sanidade. É bom cometer loucuras. Faz bem pirar um pouco. E a paixão promove as maiores e mais agitadas pirações. Elas rendem história, uma certa nostalgia das irresponsabilidades e até mesmo da ingenuidade. Porque a paixão, depois que passa, nos esfrega na cara o quanto fomos ingênuos, o quanto acreditamos em uma coisa que não fazia o menor sentido. A paixão precisa ser vivida até o fim. Ela fere, mas a gente aguenta até depois do limite. Porque a paixão aumenta o nosso senso de limite: pensamos que não iremos conseguir quando, de repente, nos superamos.

O amor vem com a maturidade emocional. É preciso estar preparado para a chegada dele, por isso eu disse que é preciso se apaixonar muito para amar. O amor é bem diferente. Ele não causa transtornos psicológicos. A paixão é a escola para o amor. Mas com o amor vivemos estudando. E essa é a grande graça da vida: nunca deixarmos de aprender.



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