Não conta pra ninguém

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Tem coisa que é segredo. Fica entre nós, mesmo que o nós seja você e suas vozes internas. Não precisa fazer a linha Tarso Cadore para ouvir coisas. Eu ouço o tempo todo. Já consultei alguns médicos e eles disseram que é normal. Todo mundo tem vozinha que fala mansa, dá aviso, grita, diz pare-olhe-escute. Inclusive eu descobri um mantra incrível. Quem assiste Caminho das Índias já deve ter prestado atenção na música que diz "na cara, na cara, na cara, na cááá, na cara, na cara, na cara, na cááá". Acho que é isso. E se não for, tá valendo, é o meu mantra. Quando alguém me incomoda eu mentalizo um chute bem no meio da cara com essa belíssima trilha sonora. Lindo.


Apareceu um fungo - vindo não sei de onde - na unha do meu dedão do pé. Não ria, é a mais limpa verdade. Pensei que fungo só desse em gente xexelenta, que não lava direito os pés, que é desleixada, relaxada, que nada! Disseram que fungo é comum, todo mundo pode ter, até um maníaco por limpeza pezal. Então tá, mas continuo achando fungo a coisa mais nojenta do mundo. Discretamente, liguei para a farmácia. Pedi a tal loção que uma amiga, igualmente funguenta, indicou. Porque amigas trocam marcas de anticoncepcionais, absorventes, remédios para dor de cabeça e fungos. É claro que consultamos os nossos médicos, mas também consultamos o bate-papo-troca-de-receitas.


Uma vez, há muito tempo atrás, eu manchei a calça. Estava no colégio, tinha uns 13 anos e não sabia lidar muito bem com a menstruação. Fico menstruada cinco dias por mês. Minha TPM dura em média uma semana. Não é fácil ser mulher, meu mês fica (em média) doze dias (sei fazer conta!) comprometido. E depois os homens ainda reclamam de nossas TPM's. Amigos, é uma luta. Vamos voltar para a mancha na calça: obviamente todas as mulheres do mundo já passaram pela vergonhosa situação de manchar a calcinha. O absorvente é mal colocado, o líquido vermelho e quente escorreu pro lado errado, não importa a desculpa-motivo-justificativa, o fato é que a calcinha ficou vermelha. Mas como tudo tem um mas, se fosse só a calcinha, beleza, ninguém viu, ninguém vê, é só chegar em casa, tomar um banhinho, trocar de roupa e tá tudo bem, tá tudo bem. Mas como tudo tem um mas, quando eu tinha uns 13 anos eu manchei a calça. Isso quer dizer que o sangue foi valente e enfrentou minha calcinha e se acomodou em um lago vermelho no centro da minha bunda. Eu usava uniforme na escola, minha calça era cinza, então imagina que belezura ficou a minha comissão de costas colorada. O pior foi que eu saí para o recreio, fui no bar, rebolei o bundão vermelho pelos corredores, pátio, comi um prensado e lá pelas tantas uma tia com uma delicadeza suspeita disse assim "querida, dá uma chegadinha no banheiro". Hã? Fiz aquela cara de ah-é-hum-como-assim e fui. Cheguei lá e surtei: a bandeira do Inter estava colada na minha branca bunda adolescente.


Agora você já deve ter entendido o significado de segredo. Eu quis morrer, sumir, evaporar, nascer uma ervilha na próxima vida. Lógico que nada disso aconteceu, eu simplesmente amarrei um moletom na cintura, fiz a prova, voltei para a casa e chorei. Mãe, todo mundo viu que eu manchei a calça. As pessoas vão esquecer, a mãe me disse. E esqueceram. Hoje, exatamente quinze anos depois, ninguém lembra. Mas ainda é segredo, só estou contando para você, por favor, tenha a decência de não espalhar.


Liguei para a farmácia e pedi a loção-mata-fungo-do-dedão que uma amiga, igualmente funguenta, me receitou. Moço, tem o Mata Fungo E Não Deixa Rastro? Tem, minha senhora. Então me vê um. Loção ou creme? Loção, moço. Algum tempo depois, a minha salvação. Peguei o pacotinho e coloquei dentro da bolsa, fiz cara de inocente e continuei trabalhando. Pediu alguma coisa da farmácia? Hein? Sou craque em fingir que não é comigo, então me fiz de surda. Ah, sim, remédio para dor de cabeça. É que eu tenho enxaqueca, ninguém desconfia dos meus telepedidosfarmaciais. Cheguei em casa, tomei banho, passei a loção. Diz que tem que passar a loção todos os dias, duas vezes ao dia, assim a morte é mais rápida. Me tornei a assassina dos fungos, com muito orgulho.


Matar um fungo requer alguma habilidade. Você precisa cortar e lixar bem as unhas, deixar os tais "canais" livres e aplicar o produto milagroso. Faço isso há 2 semanas, mas diz que o processo dura algum tempo. Eles, danados, são resistentes. Deixei então uma lixa separada, para ninguém correr o risco de ser contaminado. Uma canetinha vermelha me ajudou a batizar a "lixa para fungos". Segredo. Eu, o dedão, a lixa, a loção. E o meu namorado, claro. Alguns segredos a gente nem fala em voz alta, mas isso ele ainda não aprendeu. Hoje bem cedo, para começar a segunda em grande estilo, ele grita do banheiro: já tá boa da micose?!? Tudo tem uma explicação. Ele queria saber se já dava para jogar a lixa fora. Eu sei, entendo. Mas, poxa, micose? Fungo é mais bonitinho. Prefiro ele, ainda que tenha que conviver com o bichinho por mais algum tempo. É que micose soa muito antipático.




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