Atrás do espírito natalino

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Era uma festa. Eu adorava ajudar a minha mãe a decorar a casa para esperar o Papai Noel. Queria enfeitar tudo, até o banheiro (e se o bom velhinho precisasse fazer pipi?). Chegava o comecinho de dezembro e me batia um medo. Já pensou se ele lembrasse que eu tinha dado os tomates para a Baloo? Explico: meu pai dizia que meu irmão e eu tínhamos que comer salada. Era saudável, importante. Só que eu nunca gostei de tomate nem pimentão. Tomate só em molho, pimentão só na outra vida. Então, ficava remexendo no prato, comia todo o resto, incluindo outros tipos de salada (alface, cenoura, repolho, pepino, etc, etc, meu problema era a dupla desagradável) e esperava meu pai sair da mesa. Chamava a Baloo, minha boxer tigrada e amiga, e dava tudo pra ela, que comia feliz e pedindo mais. Tinha medo que o Papai Noel também lembrasse que eu não gostava muito de guardar os brinquedos: mandava as outras crianças guardarem. Mas acho que ele encarava isso como espírito de liderança, afinal alguém tem que mandar, né não? Sempre tive um gênio forte, desde bem pequena. Acordava e queria logo tomar meu leite, apressada que só vendo. Tinha que ser naquela hora e ponto. Impaciente desde criancinha.
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Depois eu cresci. Minha mãe pedia pra eu colocar os enfeites natalinos. Acho que as mães treinam os filhos pra depois eles assumirem certos cargos. E tinha a desarrumação, que sempre detestei. Não entendo o porquê, mas não gosto de desarrumar malas e decorações papai noelzísticas, acho chato. Depois de mais velha, ficava com medo. Já sabia que não existia Papai Noel, mas imaginava (a gente sempre imagina coisas e fatos e teorias inexistentes e bobas) que ele pensaria "nossa, com essas notas ela não merece presente". Nunca fui burra, muito pelo contrário. Mas eu sempre fui do agito, bagunça, turma do fundo, os imprestáveis. Por isso, minhas notas eram sempre na média ou quase lá.
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Hoje em dia não arrumo mais nada. Não gosto desse Natal carnavalesco, cheio de alegorias e fruqui-fruquis. Por que não optam pela simplicidade? Colocam árvore, bolinha na árvore, enfeite pra acompanhar bolinha na árvore, aquele outro troço que não sei o nome pra enrolar a árvore, luzinha na árvore, meia na lareira (com o maior calorão, por favor, respeitem o lugar onde moram, tudo bem meia na Europa, mas meia no Brasil em pleno verão?), lacinho pendurado em maçaneta de portas, toalhas de mesa com bonecos de neve, Papai Noel pendurado em sacada (total suicida), tudo isso me cansa. Em algumas ruas, dá desespero. Ao invés de ser bonito, fica feio aquele bando de luzes de cores não combinantes piscando sem parar.
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E o tal espírito natalino? No Natal, todo mundo resolve ajudar instituição de caridade, só pra dar aquele alívio na consciência, pra começar o próximo ano em paz, achando que fez o bem e merece um tijolinho no céu. Tudo bem, melhor uma vez ao ano do que nada. Mas não gosto de abraçar sem sinceridade, no Natal tem muito disso. Abracinhos e beijinhos em que você não tem a menor intimidade, sorrisinhos e votos de um bom Natal pra pessoas que, você sabe, adoram cravar agulhas em bonequinhos de vudu com o seu rosto. E as comidas? Sei que sempre falo disso, também sei que pode ser elegante, mas não me importo com o que é elegante ou está super na moda, eu simplesmente não gosto de misturar doce com salgado. Portanto, não me ofereça peru com calda de pêssego. Por que as pessoas não podem comer um bom churrasco no Natal? Que bobagem essa coisa de pode isso, não pode aquilo.
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Olha, nem sei se algum dia tive espírito natalino. Mas quero avisar que não encontrei ele, a gente se perdeu. Desculpa, mas é isso. Nunca gostei de Natal e não é agora que vou começar a gostar. Acho uma data esquizofrênica. Tudo é cheio, se falta papel higiênico no dia 24 de manhã você enfrenta uma fila enorme no supermercado. As pessoas já começam o mês de dezembro feito baratas tontas. Por que não antecipam as porcarias das compras? Hein, dona Clarissa? Ainda faltam algumas coisas, sei que vou até o shopping me irritar bastante, tanto com a lerdeza do atendimento quanto com o grande número de pessoas circulando sem saber pra onde vão. Ai, Papai Noel, desculpa tanta reclamação. É que o final do ano se aproxima e, com ele, tantas coisas em mim chegam e partem. Viro um aeroporto de sentimentos. Meu consolo é que em janeiro tudo começa bem. Pelo menos é o que eu vou fazer força pra acreditar.







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