Carta para ele, que está no céu

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Imagem: Reprodução.




Oi, vô, tudo bem? Não sei direito em que lugar você está, porque não sei ao certo para onde vão as pessoas que morrem. Antes, há muitos anos, era católica. Fui batizada, fiz primeira comunhão, mas nunca fui fã de igreja. Normalmente, entro em igrejas nos casamentos, missas de sétimo dia e batizados. Eu sei, sei que todo mundo tem que acreditar em alguma coisa. E acredito, vô. Depois de algum tempo, comecei a ler sobre o espiritismo (quando o vô Alvinho morreu). Gostei, me interessei, mas não virei espírita. Tomei alguns passes, ouvi palestras, foi bom, me fez bem. Mas se hoje me perguntarem qual-a-sua-religião eu não sei responder. Acredito, vô, que a gente precisa ter fé. E eu tenho, muita. Tenho fé nas boas energias, nas pessoas do bem, nas coisas que a gente faz com paixão, se doando, com o coração.

Sempre achei que a morte fosse uma coisa assustadora. Tenho medo, vô, muito medo. Medo de morrer, medo que minha mãe morra, que meu pai morra, que o Francisco morra. Perder um amor deve doer, vô. E esses são os maiores amores da minha vida, junto com a vó Lalá. Ela, que sempre espalhou alegria. Ela, que ligava lá pra casa todos os domingos, pra saber como a gente estava. Ela, que nunca deixou de me ligar nos aniversários e datas importantes. Ela, que quando via no jornal que estava dando temporais em Porto Alegre ligava toda apavorada querendo saber se estávamos bem. Ela, vô, que fazia aquele doce de morango bom. Ela, que talvez nunca volte a ser a mesma. Dói, vô. Dói ver como tudo aconteceu. A vó Lalá sempre gostou muito de viver, assim como eu. Deve ser por isso que tenho tanto medo da morte: eu amo a vida.


Estranho eu escrever uma carta agora, mas quero que de alguma forma essas palavras cheguem até você. Não sei se alguma vez eu te disse isso assim, com voz limpa e clara, mas eu te amo, vô. Já brigamos, discutimos, não concordava com muitas atitudes e você sabe que não acredito nessa de morreu-virou-santo. Você nunca foi santo, pelo contrário. Mas tinha um coração bom e isso é muito bonito. Nunca vou esquecer de quando te visitei no hospital e você só perguntava pela vó. A cena mais bonita foi quando você me perguntou sobre ela e disse, com os olhos cheios de lágrimas, "eu sonho com ela entrando por aquela porta". Escrevo isso com os olhos cheios de lágrimas também.


Vi algumas fotos suas anteontem. Fiquei olhando, olhando, olhando. Era um ano-novo. Nós no Cassino. Na foto, eu, a Lisete, a vó e você. Deu saudade, pois sei que esse momento nunca vai voltar. Eu sei, a gente tem que entender quando a pessoa parte. Eu entendo, aceito, desejo que você encontre luz, paz, serenidade. Que viva bem, não sei em qual plano, não sei se é no céu, não sei se tem anjo, nuvem, não sei de nada (e, por enquanto, nem quero, vô). Hoje eu acredito que deve ter alguma coisa, é impossível a gente morrer e deu, fim, acabou. Deve ter uma outra espécie de vida, uma coisa diferente, sei lá. Um dia vou saber e, então, nos veremos de novo.


Às vezes, fica difícil acreditar. Até bem pouco tempo atrás as coisas eram diferentes. Mas a vida tem disso: leva pessoas que a gente gosta. Tento apagar da memória o dia do teu velório. Impossível te imaginar ali, deitado dentro daquele negócio estranho, imóvel, sem cor, sem vida. Acordei sentindo falta de você e lembrei que nunca mais vou ouvir seu riso solto. Lembrei do ano-novo passado. Você me entregou uma taça de champanhe e falou coisas tão bonitas. Fico pensando: será que você sabia? Aquele dia, quando falou do meu livro, chorou, sorriu, se emocionou de uma forma diferente. Parecia que estava adivinhando que não poderia ver de perto. Foi tão bonito o lançamento do meu livro, vô. É bom quando a gente realiza um sonho, nos sentimos imortais.


Posso pedir um favor? Segue o teu caminho. Não olha pra trás, mas manda energia boa pra vó. Ela precisa, vô. Muito, demais, bastante. Se der, peço outra coisa: fala com algum chefão aí de cima e pede pra deixar ela boa de novo, como antes. Obrigada. Aqui, estão todos bem. A mamãe precisa parar de fumar, mas ela não leva jeito. O papai vai bem, vai realizar o sonho de morar em Santa Catarina. Que coisa boa, né? O mano vai ser pai de novo, mais um menininho vai chegar, em dezembro, pra aumentar a família. Uns vão, outros chegam. É a vida. Eu e o Francisco nos mudamos, estamos morando juntos. Não casamos, vô, mas vamos casar mais pra frente. De repente no ano que vem. Ou no outro, não sei. Temos uma planta, uma horta e muitos sonhos pra realizar.


Daqui, te mando luz e paz. Daí, manda luz e paz pra vó.


Com amor,


Clarissa, a Sara.



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