Os dias de hoje e os novos amigos

By | 17:37


A vida da gente anda cada vez mais corrida. Trabalho, casa, trabalho, casa, algum tempo com os amigos, pausa para respirar e tomar um banho, dez minutinhos para ligar e ver como vai sua mãe. E depois segue o baile: tem que organizar a casa, os armários, as gavetas, os relatórios, as estantes, o lixo, a vida. Procuramos um restinho de tempo pelas frestas. Com sorte, ainda existe um cinema, teatro, algum lazer. No meio disso tudo, assim, de lambuja e gaiato, entra a proteção.

Andamos cada vez mais armados e protegidos. Quem já não levou um pé na bunda? Quem já não se enganou feio com um amigo? Quem não tem medo de sofrer mais uma vez? Quem não fica receoso quando vê que tudo está dando certo demais? É, a vida vai nos endurecendo. A gente nasce livre, puro, ingênuo, acreditando. Tomamos uma, duas, três, vamos colocando um capuz, um escudo, uma armadura. E salve-se quem puder. E consegue chegar quem deixarmos.

Acho ruim e triste viver com essa couraça. Prefiro ser livre, gosto disso. Mas eu, tão livre, volta e meia dou de cara com alguma enrascada. Me ralo, me quebro, mas conserto tudo que dá e, remendada, sigo. Ai, me desculpa, é que preciso acreditar nas pessoas. Preciso acreditar que existem pessoas leais e legais. Preciso, gente. Então, me choco cada vez que vejo uma história que nem a do goleiro Bruno. Me choco mais ainda quando vejo gente que faz piada e pouco caso da moça que morreu, só porque ela era uma "profissional do sexo". E daí? Fez filme pornô, era garota de programa, e daí? Era gente. Me choco quando vejo um pai que atira a filha pela janela. Me choco quando vejo uma filha chamar o namorado para matar os pais enquanto eles dormem. Me choco. Essa é a palavra: choque.

Estou lendo, momento jabá, Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado, da Ana Beatriz Barbosa Silva. Já li o Mentes inquietas: TDAH - desatenção, hiperatividade e impulsividade, que é ótimo. O fato é que estou com medo. Medo de gente. Pânico da capacidade que as pessoas têm de andar lado a lado com a maldade. Medo de viver num mundo imundo como o nosso. Pobre de valores. Pobre de espírito. Podre de coração. Hoje mesmo vi uma menina de uns 5, 6 anos jogar papel de bala no chão. Pensei que a mãe fosse dar um pito na menina, que nada, a mãe comeu uma bala e fez a mesma coisa. Isso me doeu fundo. Como pode hoje em dia alguém ainda jogar lixo no chão?!?

Andamos fechados. Cumprimentamos o porteiro, damos oi para o segurança, acenamos para a moça da locadora. E só. Nenhuma aproximação, cada um no seu espaço, cada macaco no seu galho, cada um no seu quadrado. Não interagimos com desconhecidos, afinal, eles podem ser perigosos. Não conversamos com estranhos, não foi assim que sua mãe te ensinou? Minha filha, não fala com estranhos, não aceita nada de ninguém. Mãe, preciso te contar um segredo.

Trabalho em uma galeria que tem várias lojinhas. Tem ótica, cabeleireiro, loja de roupas, loja de bijouterias, loja de roupinha para bebês e muitas outras. Há cerca de duas semanas, o rapaz da ótica começou a me dar oi. "Oi". Depois, "oi, tudo bem?". Mais adiante "Oi, tudo bem? Que frio hoje, né?". Sempre encontrava ele na chegada ou na saída, assim, bem rápido, respondia e seguia. Esses dias eu estava voltando do almoço e resolvi dar uma espiada nas vitrines, afinal, a cidade inteira está em liquidação. Eis que surge o moço da ótica, que volta e meia está lá fora tomando chimarrão com alguém, e diz "Oi, o que tá fazendo?". Falei que estava olhando as vitrines. Ele continou "gosta de café?". Fiz que sim com a cabeça e ele falou "então vem aqui na ótica, vamos tomar um cafezinho, te vejo sempre passando, não sei teu nome, mas te acho bem simpática, sempre cumprimentando todos com um sorriso". Fiquei em dúvida, mas não podia ser mal educada, saia justa total. Fui. Entrei, vi que ele fechou a porta e eu pensei ai-meu-deus-imagina-se-esse-cara-tranca-a-porta-me-estupra-me-esquarteja-vão-achar-meu-corpo-só-semana-que-vem. Então, ele me apresentou o sócio dele. Foi na máquina de café, perguntou como eu gostava, me alcançou e começou a conversar. Qual teu nome? Onde você trabalha? Me contou a história da ótica e disse "a gente gosta de fazer amigos, por isso gostamos de conhecer todo mundo que trabalha aqui". Eu apenas sorri. Terminei o café, agradeci e pensei meu Deus, como sou boba. Vou me esforçar para não endurecer e parar de pensar bobagens.

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial