Nós e os animais

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Meu primeiro animal de estimação foi uma cadela tigrada da raça boxer chamada Baloo. Eu ainda morava em Rio Grande e tinha 5 anos. A Baloo era um amor de cachorra. Eu e o meu irmão fazíamos ela de cavalinho e ela fingia que gostava. Baloo era doce, amiga, paciente. Mudamos para Porto Alegre, Baloo virou mulher e teve filhotinhos. Foi uma festa. Aqueles cachorrinhos pequenos e sapecas fazendo arte e enchendo a casa de encanto. Nos apegamos tanto aos bichinhos que foi uma choradeira quando compraram todos. Depois, Baloo ganhou uma parceira de pátio chamada Bubba, outra boxer. Bubba era baia e não era tão grande quanto a amiga mais velha. Estava sempre pulando, era espevitada, carente, gostava de estar perto da gente. E assim elas viviam, entre tapas e beijos no pátio. De vez em quando dava briga, alguém se machucava, tínhamos que separar as duas. Mas elas se gostavam.
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Baloo ficou doente, teve um tumor, resistiu durante um ano e depois foi sacrificada, pois estava sofrendo. Eu tinha 15 anos. Foi bem difícil para toda a família, só quem tem um bichinho sabe o quanto dói quando ele parte. Sempre acreditei que, assim como existe céu de gente, deve existir um céu dos bichinhos. E pra lá ela foi. Bubba ficou sozinha durante algum tempo, até que compramos a Maggie, uma labrador linda que me apaixonei desde a primeira vez que vi. Tem labrador preto, marrom e amarelo. Maggie era amarela. Tinha um porte bonito, era faceira queria estar sempre no meio da gente. Uma cadela linda, linda, linda. A Bubba sempre implicava com ela e de vez em quando as duas brigavam feio. Maggie era tão, mas tão querida que enquanto a Bubba tinha seus ataques de fúria ela ficava bem quietinha, esperando tudo passar logo. Uma vez elas brigaram tão feio que fiquei com medo.
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A Bubba teve um tumor, se operou e ficou bem. A Maggie tinha alguns ataques epilépticos. Eu morria de pena, sempre que dava um ataque nela eu ia até o pátio e abraçava ela bem forte até passar. Quando passava ela voltava ao normal, mas eu ficava louca de pena dela. Maggie era uma cachorra muito especial. Ela adorava garrafas vazias de Coca-Cola. Quando ela era pequena eu dava garrafinhas pra ela brincar. Depois que ela cresceu ficava bem maluca quando via uma garrafa. Um dia, a Bubba ficou doente. Foi para o veterinário e fez cirurgia novamente. Os tumores tinham voltado, ela estava toda remendada, coitada. Voltou para casa, meio sonolenta da anestesia, estava repousando no pátio. Eu estava falando ao telefone e ouvi um barulho, corri pra ver, achei que era ela passando mal. Quando cheguei lá fora, vi a Maggie tendo mais um ataque. Segurei ela firme, mas vi que aquele era mais demorado que os outros. Vi que na boca dela tinha sangue, a pobrezinha tinha mordido a língua. Peguei um pano e água e limpei a boca dela com cuidado. Mas não passava. Desesperada e chorando, liguei para o meu pai. Depois para a minha mãe. E depois para o veterinário. Começou a sair uma espuma branca da boquinha da Maggie e ela caiu no chão. Não parava de tremer. Eu não parava de limpar ela e chorar. O chão repleto de espuma branca misturada com sangue, eu e a Maggie tremendo. Ela, do ataque. Eu, de medo. De repente, surge a Bubba. Veio se arrastando, caminhando meio torta. Chegou perto de mim, me cheirou e olhou fundo no meu olho. Depois, foi até a Maggie, deu uma lambida nela e saiu, voltou para a casinha para repousar. Achei aquilo um sinal. Logo em seguida, meu pai chegou (e depois me disse que foi uma das piores cenas que ele viu: a cachorra morrendo e eu ajoelhada no chão chorando, limpando e fazendo carinho nela) e me ajudou. O veterinário estava a caminho. Cheguei a segurar a língua da Maggie, para ela não se morder mais. Eu vi que ela não conseguia respirar direito e estava ficando com a língua completamente roxa. Nessas alturas, minha mãe já tinha chegado também. Eu e meu pai tentando fazer alguma coisa pela nossa cachorra, mas sabíamos que seria em vão. Quando o veterinário chegou, meu pai foi abrir a porta. Nesse meio tempo, eu cuidava a respiração dela, que se tornava pesada, espaçada, estranha. Ela morreu nos meus braços. E eu desatei a chorar.
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Quando o Claudio chegou, tentou reanimar a Maggie. Fez de tudo, minha mãe me tirou de perto. Não tinha mais jeito. O veterinário foi embora, a Maggie foi embora, nós ficamos e decidimos não ter mais cachorro. Só a Bubba. A Maggie realmente era uma cadela especial. Chorei, chorei, chorei. De culpa, também. E se eu tivesse ligado primeiro para o Claudio será que ela teria sobrevivido? Liguei primeiro para o meu pai, depois para a mãe e por último para a única pessoa que podia salvar a bichinha. Pensei nisso por uns tempos. Depois, resolvi me desculpar, nem sempre a gente faz a coisa certa. Eu achava que estava fazendo o certo.
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A Bubba se recuperou bem. E um tempo depois nós resolvemos ter outra labrador. Fomos até uma fazenda numa cidade próxima ver uma ninhada. No meio dos filhotes, uma labrador pretinha chamou a nossa atenção. Ela ficou mordendo o dedo do meu pai, toda querida. Compramos. Um mês depois ela chegou. Preta, pequena, amorosa. A Mel é uma cadela muito amorosa, quer estar sempre junto, participar das coisas, deitar nos pés, ficar ao lado. Uma fofa. A Bubba começou a piorar, boxer e os malditos tumores. Essa raça tem muito tumor. Não tinha mais jeito. Eu e o meu pai levamos ela no Claudio, nos despedimos e ficamos até ele dar uma injeção. Saímos de lá mudos, porém unidos pelo mesmo sentimento. Esse amor pelos cachorros herdei do meu pai. Gosto tanto, mas tanto de bichos. Mas gosto especialmente dos cães. Já fui mordida por um e nem assim tenho medo. Adoro, eles são uns amores. Sempre acreditei que quem tem um animal de estimação é mais feliz. Cachorro não briga com você, não diz palavras duras, não exige nada, não reclama dos seus defeitos. Ele entende se você não tem tempo naquela hora, ele aceita o que você dá, ele está sempre disposto a dar e receber carinho, ele ouve e não reclama do seu humor azedo. Ele faz graça, ele te recebe feliz. Cachorro enche a casa de alegria. É claro que tem que cuidar, dar atenção, limpar a sujeira, dar comida, levar ao veterinário. Mas é tão pouco trabalho perto do muito que a gente recebe que pesando na balança sempre compensa.
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Logo que a Bubba se foi a Mel ficou muito triste. Teve depressão, você já viu cachorro em depresão? Pois é, ela teve. Tomou remédio e tudo mais. Se jogava contra a porta, chorando. Andava pelos cantos, triste. Demorou um pouco para ela se acostumar com a ausência da outra. Mas ela aceitou a realidade e acabou se conformando. Agora eu pergunto: como pode alguém maltratar um cachorro? Eles têm coração, sim. E sentem que nem nós. Ou você achava que não?
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