Pra você que vê a vida com óculos de coração

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Sou meio estranha e já me conformei com isso. A gente não pode passar a vida brigando com a gente mesmo, senão fica aquela coisa de inimigo muito íntimo e isso é bem ruim. Eu sei que de vez em quando sou a minha pior inimiga (quem não é?), mas já entendi algumas coisas sobre mim, sei que preciso aceitar que o mundo é como é. Só que ainda vejo a vida com óculos de coração.
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A gente tem que ter paixão pelas coisas, sempre pensei isso. Paixão pelo que faz, paixão pelo que toca, paixão pelo que vive. Sem paixão não tem felicidade, muito menos vida. É claro que não sou apaixonada pelos meus defeitos, mas preciso viver com eles, então eu os trato bem e vejo o que acontece. Tratar mal os defeitos da gente não dá certo. Durante muito tempo eu tratei mal minha mancha no pescoço, meu dedo diferente do outro e por aí vai. E olha que só estou citando os físicos. Pra quem não sabe (já contei isso por aqui), tenho uma mancha no pescoço que parece um chupão. Na infância, vivia com o cabelo solto, tinha trauma de piadinhas. Meus dedos da mão são diferentes. Não todos, claro, não sou uma defeituosa geral, só os dedões. Um é achatado e o outro é "normal". O achatado é que nem o da Megan Fox, nós temos algo em comum, viu? Claro que não é o jeito sexy, o corpo perfeito, os olhos lindos de viver, é o defeitinho. Mas tudo bem, ninguém é perfeito. Nem ela (e muito menos eu). Esqueci das sardas. Meu Deus, como eu odiava minhas sardas! Ferrugem, aço queimado, enferrujada, me chamavam de tudo. Eu detestava esses pontos pelo rosto e ombros. Achava feio. Depois passei a amar. Amo minhas sardas, tenho uma paixão obsessiva por elas. Clarissa, qual Clarissa? A sardenta. Adoro quando usam o "a sardenta" para reconhecimento de pessoa. Sim, todo mundo passa pelo Reconhecimento de Pessoa. Matheus, o da sobrancelha grudada. Valéria, a sem peito. Tomas, o careca. Camila, a baixinha. Sandro, o do óculos fundo de garrafa. Andressa, a do cabelão crespo. As pessoas definem as outras assim. Não é feio nem bonito, só é definição. Eu sou "a sardenta". E gosto.
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Mas eu sou sardentamente estranha. Não me pergunte o motivo, mas sou. Dou bola para o que ninguém dá. Fico magoada com o que ninguém fica. Dia desses, por exemplo, fiquei bem chateada com uma amiga. Ela sempre divide angústias, mas as felicidades guarda só pra ela. Não precisa. Por favor, divida suas alegrias comigo, eu gosto de ficar feliz por você, com você. Tudo que eu valorizo, valorizo muito. Minha vida é uma intensidade sem fim. Quando fico braba é um horror. Tudo é demais, muito braba, muito feliz. É um caminhão de coisas, pesadas, dentro de mim. Alegrias e tristezas grandes, que divido ou guardo comigo. Aprendi a calar algumas coisas, mas outras preciso falar: não cabem em mim. Outras eu guardo numa boa, quietas, serenas. Mas eu preciso te contar que acredito em coisas eternas.
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Não falo nada da boca pra fora. Se eu te gosto, te gosto. Nunca vou mentir que gosto de você. Sou franca comigo e com meus sentimentos. Nunca forcei ou falsifiquei amizades e amores. É claro que a gente se engana, se surpreende, se decepciona. Já pensei que amei. Já pensei que me apaixonei. E vi que era fogo de palha. Já pensei que era amizade. Já achei que fosse de verdade. E vi que era faísca. Mas tudo que eu gosto, eu gosto. Lembre disso. Para mim, algumas coisas são para sempre. Amigos, por exemplo. A gente sabe que tem os de verdade, os que vão atravessar anos, estados, países, turbulências e mau tempo. E a gente também sabe que tem aqueles de momento. Uma pessoa pode ser muito sua amiga hoje na aula de inglês, no trabalho, na primavera. Depois passa. E aí, era amizade? Era. Mas era aquela amizade de momento. E era verdadeira? Também era. Naquele momento. Acho que existe o perecível e o que não tem data de validade. E digo: tenho amigos que não têm data de validade, apesar de eu não estar sempre junto deles. Também tenho amigos que são amigos hoje, que sei que posso contar, mas não sei se estarei junto daqui a dez anos. Isso pra mim é muito claro. E a família? Família, você querendo ou não, é pra sempre. É um laço. Não se desfaz. Pode ter briga, atrito, confusão, mas é família. E é pra sempre.
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Onde fica o amor nisso tudo? Bom, existem amores e Amores. Uma pessoa pode amar outra e viver aquele momento sem pensar no futuro, sem pensar no depois, sem querer o eterno, o pra sempre, sem dizer você-é-o-amor-da-minha-vida-vamos-ficar-pra-sempre-juntos. Acho que até pode, mas será que isso é mesmo amor? Acho que o amor é diferente, no amor você precisa sentir o para sempre. E por que a gente precisa tanto desse pra sempre? Acho que é uma espécie de conforto, segurança. É difícil uma pessoa amar outra com tudo que pode, com tudo que tem e não querer que seja pra sempre. Quando você realmente ama e entra num relacionamento sério você aposta naquilo, quer que dure, investe, não pensa que vai terminar amanhã. Você faz planos. E por isso que que seja eterno. Ninguém começa uma coisa prevendo o final.
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Tenho uma teoria: acho que o amor de verdade acontece uma vez só. E esse amor é o amor da vida da gente. Com tudo de bom e ruim que isso traz. Depois do amor da vida, você pode até amar de novo, mas nunca da mesma forma. Porque amor da vida é só um. E vive pra sempre dentro de você. Mas hoje em dia só eu penso assim. E a culpa é do meu óculos de coração.
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