Apertos no peito e dias de chuva

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Pode me chamar de louca, mas sempre gostei da chuva. O barulho faz bem para os meus ouvidos, o cheiro me agrada, os pingos no rosto fazem com que eu me sinta viva. Quando eu era criança gostava de ficar olhando pela janela, com certa melancolia no olhar, a chuva que insistia em cair e molhar uma árvore com folhas amarelas que tinha na frente da minha casa. No meio disso, meu pensamento ia longe, se perdia, depois voltava para mim cheio de histórias para contar.
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Uma vez, peguei um temporal na praia. Foi forte, foi feio, foi assustador. Imagine você, sua família, uma praia deserta, uma noite em que tudo pode acontecer e raios ali bem perto, do seu lado. Pânico. Achei que ia morrer. Mas sobrevivi, sobrevivemos. Durante muito tempo fiquei com medo dos temporais. Hoje em dia eles me fascinam. Fico olhando cada raio, cada nuvem preta, cada relâmpago. É bem verdade que dou muitos pulos por causa dos trovões - eles me pegam de surpresa e me amedrontam, confesso. Mas os temporais são bonitos, pelo menos pra mim. É a natureza gritando, se expressando, dizendo ei-olha-pra-mim.
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Você, quando está brabo, grita. Eu, quando estou nervosa, tenho ataque. A natureza, quando se rebela ou tá a fim de uma confusão, manda um temporal e dá o seu showzinho particular. Eu gosto. É claro que fico com pena de quem não tem onde morar, de quem está vagando pela rua, de quem morre atingido por um raio, de quem tem a casa inundada, dos deslizamentos, das mortes, de tudo isso. Não pense que não tenho coração. Por favor, tire a parte negativa, as enchentes, a falta de luz, os contratempos, o caos na vida e no trânsito. Vamos nos fixar na beleza dos temporais. Eles são, sim, bonitos. Assustadores, mas bonitos. Dão apertos no peito, mas possuem uma beleza exótica.
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A chuva sempre me fez refletir. Sei lá, penso em tudo. Passado, presente, futuro. Planos rabiscados, sonhos entalados na garganta, vontades pela metade, coisas assim. Todo mundo tem pedaços soltos. Fico pensando em tudo que eu quis um dia. Em tudo que deu certo. Em tudo que modifiquei. Em tudo que ainda quero. Em todas as saudades que sinto.
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No final de semana passado, vi a minha avó. Fazia tanto tempo. Em uma tarde, ela estava dormindo e deitei do lado, fiquei olhando, lembrando, pensando. Meu Deus, como tudo muda rápido. De uma hora pra outra, a cidade escurece, as nuvens ficam negras, a chuva começa a cair. De uma hora pra outra, a vida nos manda recados, tudo, tudo muda. E nós temos que mudar também, pra acompanhar o embalo, senão ficamos para trás, somos esmagados pelos acontecimentos. Fiquei deitada ao lado da minha avó, minha madrinha. E ela era ela, mas ao mesmo tempo não era. Você entende? Fiquei ali, parada, lembrando de tantas coisas da infância, adolescência, vida adulta. Dos conselhos, conversas, sorrisos. Das risadas, das vezes em que ela mexeu no meu cabelo, me pintou panos de prato, me ensinou coisas da vida. E me deu saudade. Uma saudade que vai sempre doer. Porque ela nunca vai voltar. Não que eu seja pessimista, mas ela nunca vai voltar. Fiquei ali vendo ela dormir, sentindo algumas lágrimas caírem e pensei: sou tão pequena. Se eu pudesse fazer alguma coisa, se eu pudesse fazer o tempo voltar, parar, sei lá. Mas não posso. E tenho a mais absoluta certeza de que ela nunca quis ficar assim como está. Por isso, peço para a vida: que seja feito o que precisa ser feito. Mas que ela não sofra jamais.
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