Dando nome aos bois

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Depois de muito relutar, escrevo esse texto. Não que eu tenha medo de julgamentos, afinal, escrever é dar a cara a tapa (e muitas vezes levar socos e arranhões). É impossível você se expor e não receber críticas. Mas não tenho medo, de verdade. Prefiro ter opinião do que ser uma mosca morta.


Sou uma pessoa livre de preconceitos ou pelo menos me esforço para ser. Estudei em um colégio de alemães, nunca discriminei ninguém, mas achava errada a forma como eles pensavam. Já sofri bullying, afinal, eu era a menina do interior na cidade grande. A menina do interior branquela e sardenta. A menina do interior branquela e sardenta que defendia os amigos vesgos, gordos, baixinhos, fanhos, gagos e que usavam óculos. A menina do interior branquela e sardenta que defendia os amigos vesgos, gordos, baixinhos, fanhos, gagos e que usavam óculos que acabou virando amiga de todo mundo. Foi assim que começou a minha história. E talvez tenha sido por isso que comecei a escrever. Eu não cabia em mim, não cabia no mundo, então meu melhor amigo era um caderninho. Eu escrevia, guardava, tinha vergonha de mostrar. E assim fui crescendo. E assim fui me guardando para o mundo. E assim fui descobrindo a vida.


Tenho amigos gays. Sei o quanto eles sofrem discriminação. Sei o quanto é difícil assumir quem é sem qualquer espécie de receio. A Wania, que cuidou de mim e do meu irmão, é negra. Tenho um amor enorme pela Wania e por toda a família dela. Sei o quanto os negros lutaram, foram escravizados, humilhados e sofridos. Sei de tudo isso. E também sei que até hoje o preconceito existe na cabeça de gente que não evoluiu e que acha que você é mais ou menos por causa da cor da pele, da conta bancária, da religião, da opção sexual.


Não me condene por isso, mas acho que precisamos dar nome aos bois: preto é preto, branco é branco, azul é azul, roxo é roxo. Não posso me sentir ofendida por ser chamada de branca sardenta, afinal, eu sou uma branca sardenta. Mas me ofendo quando me chamam de branquela enferrujada. Acho que os negros não devem se sentir ofendidos quando chamados de pretos, afinal, eles são pretos. Acho, sim, que é falta de educação e respeito chamar de negrinho-sei-lá-das-quantas ou pretinho sei-lá-o-quê. Mas homem é homem, mulher é mulher, gay é gay, preto é preto, branco é branco, índio é índio, japonês é japonês, gremista é gremista, colorado é colorado, filho da puta é filho da puta.


Se eu me apaixonasse por uma mulher ficaria com ela. Se eu me apaixonasse por um anão ficaria com ele. Se eu me apaixonasse por um negro casaria com ele. Se eu me apaixonasse por um branco sardento como eu ficaria com ele e teria branquinhos sardentinhos. Não vejo o menor problema em nada disso - e ver algo de errado é puro preconceito. Só acho que nomes não existem por acaso, não podemos virar as costas para a nomenclatura e nem nos sentirmos culpados por dar nome aos bois.
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