Depois da primeira ideia idiota veio a segunda. Pensei em escrever uma carta para mim. Por favor, não me chame de louca. Nela, eu ia dizer tanto do que eu sinto. Tanto do que penso, tanto do que ainda quero me conhecer. Mas achei que ia soar meio esquisitão. Uma vez, quis escrever uma carta pra Deus. Sabe quando a gente é criança e quer escrever para o Papai Noel contando o quanto se comportou e qual o presentão que quer? Então, era isso que eu queria fazer.
Se essa carta viesse hoje, seria mais ou menos assim: Querido Deus, tô ca-ga-da de medo, assim mesmo, separado e demorado, de dar alguma coisa no meu exame amanhã. Ca-ga-da mesmo. Não acho que sou uma pessoa ruim, mas também não acho que sou uma pessoa completamente boa. Já fiz coisas que não são essencialmente legais, já machuquei as pessoas com as palavras, já decepcionei, já frustrei, já magoei, já falei mal, já fui escrota, já traí minhas emoções, já faltei a terapia, já não segurei a minha onda, já fui egoísta, já tive rancor, já atirei a primeira e a décima pedra, já me cobrei demais e me culpei ao extremo, já errei os caminhos, já fiz escolhas erradas, já esqueci de mim. Já fiz tudo isso (e quem não fez?). E certamente vou fazer muito mais, pois sou uma pessoa como todas as outras e você sabe que pessoas erram e batem com a fuça na parede dez zilhões de vezes. E tudo bem, tudo bem mesmo, não vou encasquetar com isso agora, afinal, tem tanta coisa acontecendo no mundo lá fora e no meu mundo aqui dentro.
Querido Deus, lembra quando eu pedia para proteger os que amo? Lembra quando pedi pra minha mãe não morrer? Lembra quando pedi para meus pais sempre terem saúde? Lembra quando pedi luz para meu irmão, cunhada e sobrinhos? Lembra quando pedi proteção para minha sogra, sogro, cunhadas e sobrinha? Lembra quando pedi paz para meus amigos? Lembra quando pedi força para quem nem conheço? Lembra que pedi para cuidar de mim e do meu amor e da Juno? Lembra quando pedi para que fosse feito o melhor? Pois é, meu avô morreu e minha avó continua daquele jeito que o Senhor sabe. AVC é coisa séria. E eu, em várias crises de pânico, tinha medo de ter um infarto, como meu avô ou um AVC, como minha avó. Lembra que eu disse: que seja feito o melhor para os dois? E daí ele morreu. E daí ela viveu. E daí eles foram separados pela vida, já que a morte quis assim. Pedi força para ela, pedi luz para ele. E sigo pedindo. Assim como peço para ele: vô, segue teu caminho, manda boas vibrações pra vó, as melhores, ela precisa. E aí eu deixei de ter medo, pois foi feito o que tinha que ser feito. E hoje eu ainda não entendo como uma pessoa linda em todos os sentidos como a minha avó tem essa vida que ela leva hoje. Uma pessoa ativa, que andava sempre de batom, que era alegre, pra cima, cheia de vida.
Hoje, nem sei se ela se dá conta de tudo que acontece, sei que ela não faz mais o que fazia, não tem mais a voz que tinha, não anda mais como andava. Depende dos outros, nem consegue ir ao banheiro sozinha. E isso é triste. Durante um período eu me revoltei. Pensei: por quê? Ela é tão boa, de verdade, pura de coração, boa mesmo, só de olhar pra ela a gente já se sente bem, de tão boa que ela é. Por que isso aconteceu com ela? Por que ela se tornou incapaz de fazer coisas simples, como se mover direito? Por que a vida e a morte separaram ela do grande amor da vida dela? Isso é muito, muito triste. E foi então que eu decidi aceitar, afinal, eu pedi tantas vezes: que seja feito o melhor. E se esse foi o melhor eu sei que um dia vou entender os motivos, as razões, os porquês inteiros que existem.
Amanhã é o grande dia. Vou saber se o que tem me assustado há uma semana é uma coisa de nada, uma coisa do bem, uma coisa que só ficou martelando na cabeça ou se é uma coisa mais séria, mais grave, mais forte. E tudo bem. Seja lá o que for, eu peço: que seja feito o que precisa ser feito. Porque a gente tá aqui nessa vida pra enfrentar o que vier. E pra resistir se puder.