Sobre o preconceito, a Síndrome de Down e outras coisas que nem sei explicar

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Viajar é uma das melhores coisas da vida. Pode ser longe ou perto, poucos dias ou alguns meses. O que vale é a experiência de conhecer lugares, culturas, pessoas, pensamentos. E perceber que nem tudo é tão bom ou tão ruim assim.

Já viajei para Argentina, Uruguai e Estados Unidos, mas ainda não tinha ido para a Europa. Nunca achei que lá fosse uma maravilha, mesmo porque meu irmão já morou em Genebra e eu sabia, por exemplo, que a farmácia do bairro fechava às 17:30. Aqui em Porto Alegre, a farmácia do meu bairro fecha às 20h. E a outra fica aberta até às 22h. É claro que aqui e lá existem as farmácias que funcionam 24 horas.

Estou longe de ser bairrista, tampouco tento puxar a sardinha para o meu lado. Mas na Europa também tem lixo na rua, também tem mendigo, também tem poluição. Aqui, quando alguém mais velho entra em um ônibus ou uma lotação, a gente cede o lugar. Lá, nos metrôs, é cada um por si. Se você tem mais de 70 anos o problema é seu, quem mandou chegar depois? Se o banco está ocupado ele vai permanecer ocupado. Dane-se. Ninguém levanta, mesmo tendo uma plaquinha em alguns acentos (para gestantes, mulheres com crianças e idosos).

As pessoas fumam demais. E algumas fumam dentro de restaurantes (fazia anos que não via isso!). Sim, tem área de fumante e não fumante. E o que separa as duas? Nada. Nenhuma linha, nenhuma parede, nada. Esse lado é pra quem fuma, aquele é pra quem não fuma. Simples assim. Lá não existe preconceito com cachorro. Eles podem entrar em farmácias, metrôs, trens e tudo mais. Em Paris, por exemplo, eles só não podem entrar em museus e parques. Aqui, se você vai com seu peludo ao shopping já ficam te olhando. Lá os táxis são limpos e os motoristas recebem um treinamento pra lá de especial (me refiro aos motoristas de Londres, eles são BEM diferentes dos de Porto Alegre). Lá os táxis não têm cheiro a cigarro, mofo, tampouco são imundos como os nossos. E, principalmente, os taxistas não te dão medo.

Lá os mendigos lavam roupa na lavanderia e tomam vinho em taças. Sim, isso mesmo. Usam roupas sobrepostas, lêem jornal, tomam sol. Lá não tem criança pedindo na sinaleira. Mas tem mãe sentada ao lado dos filhos na entrada da estação de metrô. Lá o metrô é seguro, tem câmeras nas estações e dentro deles. Lá o pessoal usa iPhone sem medo, usa o notebook no meio da praça, não caminha olhando para trás, achando que está sendo seguido por algum trombadinha. Lá tem muita gente que rouba turistas. São os famosos batedores de carteira. Aqui tem muita gente que faz uma família de refém por mais de 5 horas. Aqui a gente anda com vidros fechados e portas trancadas. Lá o pessoal anda de cara fechada e passos largos. Lá não tem cerca elétrica, grade, cão feroz. Lá a polícia circula – e muito – pelas ruas. Lá uma garrafinha de água de 300ml é um roubo. Lá nem todos os lugares têm rampas para deficientes. Lá a gente se sente seguro andando livre, leve e solto pela rua por volta da meia-noite. E nem pensa em voltar correndo para não virar abóbora.

Em alguns lugares te tratam bem, em outros não. É como aqui, ali ou qualquer lugar (né Rita Lee?). Acho que o Brasil ainda tem muito pra crescer e evoluir, principalmente na saúde, educação e segurança. Mas quer saber? Tudo começa com a educação. E não pense que lá fora todo mundo é muito bem educado. Vi gente de todo o tipo, de todo o mundo. E sigo (será que isso é bom?) me surpreendendo com a capacidade incrível que o ser humano tem de ser tão puro e sujo. Ao mesmo tempo.

Ontem fui para a serra buscar minha cachorrinha. Fui de ônibus. Enquanto esperava na rodoviária, uma senhora de 57 anos sentou ao meu lado com sua filha. Logo que ela sentou um rapaz levantou imediatamente. Não, ele não estava sendo gentil e cedendo lugar. Ele olhou com cara de desprezo para a senhora e para a filha. A menina tinha 7 anos, era sorridente, simpática. E tinha síndrome de down. A senhora, com tristeza no olhar e na voz, me disse “isso acontece sempre”. Então, ela me contou que teve 12 filhos e que teve a menina com 50 anos. Falou que ela dava trabalho, mas que não imaginava a vida sem ela. Que hoje tem apenas 6 filhos, já que os outros morreram. Que o marido bebia, batia nela e foi morto pelo irmão. Que ela trabalha o que pode para dar o melhor para a filha, que é especial. Senti vergonha de ser gente. E me dei conta que não importa da onde você é, em que país vive, qual educação recebeu, o que faz, o que pretende, quanto tem no banco, se é bonito ou feio. O que vale é o que a gente carrega no peito. 
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