Os grandes amores

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Eu tive o meu primeiro namorado aos seis anos, nós nos escondíamos embaixo da mesa da professora e eu entregava metade das minhas balas de goma pra ele; o primeiro grande amor da minha vida foi aos treze, mas ele nunca soube o cargo que ocupava em meu frágil coração- deve ser porque gostava de outra.

A banalização do amor é algo inquietante. É tão fácil achar que ama, é tão difícil achar o amor. Tive alguns casos, um affair aqui e outro lá, paixões arrebatadoras, aquele gostar profundo, falsas juras de amorzinho, promessas desbotadas, intensidades corroídas, vontades dilaceradas, momentos derretidos. A parte que eu mais gostava era do fim, que era cruelmente valorizado. Aquela música, algum vinho pra esquecer e muitas lágrimas pretas pelo excesso de rímel e falta de vergonha na cara. Muito mais do que estar triste eu queria estar triste. Não é doença e não tá no CID, é que tem gente que não sabe amar. Outros nunca foram apresentados ao amor. Há, ainda, os que pensam que amam. Porque é bonito dizer que ama. Porque é dramaticamente belo dizer eu-amava-aquele-homem. Como explicar um choro seguido da frase minha-vida-tá-vazia-e-sem-sentido se você somente gosta ou está a fim de um sujeitinho desprezível que você desconhece as manias mais significativas? É preciso dar ênfase, importância, superestimar, supervalorizar, supersofrer, supertomarnacara. Tudo isso, com o tempo, rende boas risadas, todas as mulheres já tiveram um-dia-Bridget-Jones. Algumas têm uma veia, outras são a própria Bridget. Isso não tem muita importância quando você descobre que amar é diferente de qualquer outro gostar, gostar muito, gostar demais, gostar ao extremo, gostar pra ca*****, gostar pra burro, gostar pra caramba, gostar quase amando, gostar gostado, gostar adorado, gostar elevado.

A solteirice é saudável e traz felicidade em partes, como diz Jack, o estripador. Não estou dizendo que as pessoas sem namorado são infelizes e sozinhas e tristes e acabadas e deprimidas. Tudo é questão de momento. Tem o momento de aproveitar, tem o momento de aquietar. Mas entenda: não é você. As atitudes falam por si só. Se está frio, chovendo e é sábado é evidente que você prefere ter companhia. Se está quente, uma noite linda e é sexta-feira (e vai todo mundo para aquele lugar) e você ainda prefere a companhia, são as atitudes internas cutucando o seu corpinho. Quer saber? Não importa se os seus amigos estão namorando, se a ou b ou c diz isso ou aquilo ou aquele outro negócio. O que importa é o que você quer.

Eu nunca quis namorar, achava chato. É um processo diferente, você perde a liberdade, tem que dar satisfação, tem que levar o namorado junto pra cima e pra baixo, tem que dividir a vida, tem que dizer olha eu tô com essa cara hoje porque acordei me achando uma vaca, tem que tomar cuidado pra não levar um par de chifres, é aquela meleca do tem-que-ser. Eu ainda vislumbrava o lado bom, que era dormir junto no inverno, ter alguém pra ir ao cinema, ver filme no sofá e acabou, mais nada. Na balança eu via que o lado negativo pesava mais, então a minha ação era o boicote. Qualquer pessoa que dizia que gostava de mim eu dizia tchau, mané, até mais ver. Tinha uma barreira imaginária, quando eu sentia que a outra pessoa estava enfiando o pé em terrenos perigosos, adeus. Já fiz as piores maldades, mas nem tudo é publicável, use a imaginação.

Um dia, aliás, em um final de tarde eu comecei a namorar. Se é pra contar direito a gente conta direito: comecei a namorar, de verdade verdadeira, às vinte horas e quinze minutos de um domingo e meu coração estava mais apertado que aquelas calças recém-saídas-da-máquina-de-lavar-ainda-mais-depois-que-você-engorda-uns-doze-quilinhos-no-feriado-de-páscoa. Eu e meu coração apertado encontraram ele e exatos quinze minutos atrasado. Daquele dia em diante nós juntamos as nossas liberdades, as satisfações espontâneas, os colos precisos, as divisões de acontecimentos bons e não-bons, as caras feias e embonitadas e, lógico, as noites, cinemas e sofás - além das escovas de dente e cabelo. E foi tudo natural. Naturalmente. Com naturalidade. Sem pressões, força ou esforço. É assim que tem que ser, simples. Sem complicação (ões).

Não é chato, a namoradice traz felicidade em potes. Cada um é preenchido com sentimentos novos, vão tomando conta dos nossos armários. Uma hora você pensa: em que parte do mundo eu me escondi? Quando você ama uma pessoa se re-descobre. Acaba conhecendo pedaços (im)próprios. Quem pensa que amar é estar no céu com meia dúzia de anjos tocando harpa nas nuvens está quadradamente enganado.

Amar, de vez em quando, é estar em um sótão úmido, escuro, abarrotado de anjos malvados e feios espetando a nossa bunda com diversos tridentes, de todas as cores, formas e espessuras. O que conta é a vontade: você querer passar por momentos-sótão, afinal, são as imperfeições que mantém as pessoas ligadas. A parte que você mais gosta é do todo, inclusive a parte empoeirada e suja. Os choros são abraçados por mãos seguras, que estarão sempre ali, para livrar as lágrimas da solidão.

Quando o grande amor é inteiro você entrega todo o pacote de balas de goma, afinal, ele sabe o cargo ocupado em seu coração. Porque amar é bom e ser amado, por mais difícil que possa parecer, é melhor (e mais bonito) ainda.






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