Escrever é...

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Dizem que para escrever é preciso inspiração. Eu já acho que é necessário disciplina, mais nada. Em alguns dias o negócio é torcer a página, sacudir as linhas em branco, bater na porta das palavras e pegar as frases pelos cabelos, por favor, me façam companhia, preciso muito, preciso agora, não me deixem. Não vou negar que alguns momentos são sim inspiradores, mas se um escritor for viver só de mágicas inspiradoras vai tudo pro beleléu, pois pelo menos na minha vida não é sempre que eventos paradisíacos acontecem. Continuando na rua do não-nego-assumo-enquanto-der eu me arrisco a dizer que súbitas paixões rendem grandes poesias. Se são efetivamente boas eu não sei, poesia é uma coisa difícil, pra ser boa tem que ser boa, se é que você me entende. Não é só juntar as letras, é preciso ter uma coisa infinitamente maior, pra ser poeta é necessário ir além de tudo o que é palpável, tem que ultrapassar a barreira dos adjetivos e enfiar o pé em qualquer nuvem, carregada ou limpa, clara, com cara de algodão. Não sei fazer poesia, admiro quem faz. E eu gosto da poesia que entendo, que me faz pensar, que me faz suar, tremer. Só não gosto de falsa poesia. É por isso que assumo: não sei fazer.


Se desse eu reuniria algumas dezenas de palavras de impacto, bonitas e elegantes e escreveria aqui, agora, pra você, só pra deixá-lo feliz com as coisas que eu sei fazer. Mas você tem que ficar feliz com o que eu também não sei, não entendo, não aprendo e nunca vou descobrir, não é verdade? Vou dizer então, pelo menos tentar, pois você sabe que eu tento, tento muito, nem sempre acerto, fico com medo de tentar de novo e de vez em quando, é, você sabe, eu erro de novo. Vou tentar dizer então (fica melhor assim?) o que você é pra mim, pode ser? Não sei se vou conseguir, fico com medo de não conseguir escolher bem qual palavra vai atrás da outra e qual a próxima que vem a seguir, gosto da seqüência bonita, mas nem sempre consigo fazer uma seqüência nas coisas que falo, quero que você saiba que mesmo não sabendo escrever poesia você é a minha melhor poesia. Ou a minha melhor vontade de ser uma poeta, não uma simples poeta de sarjeta e de garrafa, mas uma poeta top de linha. Na verdade (você sabe o quanto sou confusa e embaralhada com os pensamentos) não sei se eu queria escrever poesia, acho isso tudo um outro universo bem distante do meu e o meu universo já me dá um trabalho danado e de vez em quando me tira o sono e às vezes eu acordo no meio da noite e tenho que anotar uma palavra e muitas vezes eu também saio toda molhada e nua do banho, é, no meio do banho, porque lembrei de uma coisa pequena ou média ou até grande que ficaria bonita em um texto, uma crônica, um conto ou naquele livro que eu escrevo, escrevo e não saio da página dez.


Gosto do jeito que você me diz as verdades e gosto das coisas que você transforma em verdade. Gosto da forma como você me olha, é sempre diferente, mas com o mesmo brilho e eu me enxergo nele, o teu olhar reflete o meu, melhora o meu, nossos olhares se encontram e acho que de alguma maneira nos abrigam e acolhem e eles são tão unidos e de verdade que de vez em quando até parece que é tudo de mentira. Deve ser por tudo isso que hoje em dia não imagino mais a minha vida sem você, sem os nossos olhares refletidos e intensos e infantis e maduros e sérios e carinhosos; deve ser por isso que quando você não está os domingos se tornam compridos demais, os dias da semana ficam arrastados e o pouco tempo que falta para a sua volta parece que é muito, muito tempo. Deve ser por isso que, ao invés da minha saudade de você ter diminuído, ela aumentou. É uma saudade que toma Biotônico Fontoura, se torna mais forte e (acredite!) com as bochechas vermelhas, corada, feliz. A saudade fica feliz e rindo de mim, te peguei outra vez, ela deve pensar. É, ela me pegou. E eu hoje peguei uma carta sua e reli, enquanto eu relia vi que tinha uma marquinha de rímel nela e um pingo, acho que era de água, não tinha cor, era só um pinguinho. Então eu lembrei daquela noite em que eu cheguei e li a carta, lembrei da hora em que comecei a chorar, apesar de bêbada eu tenho boa memória, lembrei da hora em que a lágrima pulou em cima do papel branco cheio de linhas pretas e frases suas, frases doídas, frases bonitas, frases que diziam coisas que não vou esquecer mesmo depois de bisavó, lembrei do copo de água sem gás que me deram e lembrei que naquela noite eu fiquei muito triste e que tudo o que eu mais queria era um abraço seu. Daqueles que a gente dá, apertado assim. Chorei um choro de recordação, de lembrança, de saudade e de vergonha por ter sido tão besta naquela noite. Me desculpa, de vez em quando faço coisas bestas e eu sei, sei mesmo que você não merece o meu festival de besteiras. Chorei mais um pouco, pensando nos abraços, aqueles que a gente dá, que são apertados assim. Gostaria muito de dizer pra você agora, olhando no olho mais sincero do mundo, que brilha muito, que é exageradamente bonito e no qual eu me enxergo o seguinte: eu te amo. Sem adjetivos, rodeios ou flores. Eu te amo, só isso. E isso, você sabe, quer dizer muito, quer dizer tudo, quer dizer o que a gente nem precisa falar, já que os nossos silêncios conversam alucinadamente coisas de amor.



E, pra quem acredita que só a inspiração move a escrita, bom, nesse caso a minha inspiração é você.


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