Telefone sem fio

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Há algum tempo atrás me contaram uma história sobre ela. Falaram que um dia ela apareceria, que chegaria sem cerimônia, que me deixaria chocada. Não acreditei, não que eu só acredite vendo, mas não levei muita fé, achei que eram rumores, gente que não tem coisa melhor pra falar, papinho que se perde no ar.
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Sabia que um dia eu iria crescer e, com isso, perceber coisas. Coisas estranhas em um mundo estranho com gente estranha. Percebi mesmo, mas nem tudo era tão terrível. Até aquele dia. Naquele dia eu lembrei que vezenquando falo palavras que não sei o significado, tento imaginar palavras para dizer naquela hora, mas quando a tal hora chega, misteriosamente elas chegam até a minha boca e dão um passo para trás, vão embora. Umas são mais atletas e saem correndo, dando cambalhotas, pulando.
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Minha avó me avisou, minhas tias, minha mãe, minhas amigas e algumas conhecidas também. Não acreditei, não que eu só acredite vendo, mas quer saber a verdade? A gente sempre acha que nunca vai acontecer com a gente. Tem revista, jornal, propaganda na TV, está tudo lá, claro, concreto, mostrado. Você é informada, sabe, lê, toma conhecimento, vê na cara dos outros, enxerga a recepcionista do salão de beleza, mas isso é o outro, os outros, as outras, você não. Você é diferente, é invencível, é eterna e, de quebra, sabe tudo. Muito informada, muito atenta.
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Você acorda e percebe que um corpo de quase vinte e oito anos demora mais para se recuperar do que um corpo de vinte. O tempo passa, o tempo realmente passa. E você sorri, o tempo é seu, o mundo é seu, tudo é seu, você é uma sem-medo-de-nada. Já percebeu que em alguns dias você acorda linda, com a pele exibida e saudável e em outros você acorda, se olha no espelho e leva um grande susto? Parece que um trator enlouquecido passou por cima do seu rosto. E quem estava dirigindo o tal trator era um motorista ou piloto ou comandante ou não-sei-o-nome-que-tem-quem-dirige-trator (tratoreiro?), o fato é que o cara que estava lá certamente tinha tomado uma garrafa inteira de cachaça da ruim. Não era da boa não, tenho certeza.
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Nunca dei bola para o que os outros falavam, mas sempre chega o dia no qual você passa a dar bola. Porque você não é cega. Porque você é gente. Porque você é mulher. Porque você tem uma supermegavaidade. Então você acorda, faz xixi, vai lavar o rosto, escova os dentes e um grito ecoa pelo bairro inteiro: você ficou cara-a-cara-de-frente-pra-ela. Ela que é ninguém mais, ninguém menos do que a sua Primeira Marca De Expressão. No meio da testa.
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