De acordo com a nova ortografia brasileira, autoestima agora é sem aquele tracinho que separa uma palavra da outra, o famoso hífen. Alguém esqueceu de avisar para a minha, pois a pobre continua separada, desquitada, largada. E dividida. Auto-estima é que nem a bolsa de valores: tem períodos de alta e baixa. E você não pode fazer nada, a não ser torcer para que a maré ruim passe logo. Porque quando a maré é boa, bem, você tá é aproveitando a imagem que vê na frente do espelho. Sem preocupações. Como diriam os colunistas sociais, você é "toda sorrisos".
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Como tudo tem dois lados, você sabe, o inverso do sorriso é o quê? Muito bem, resposta certa. Quando tudo vai bem, tudo vai bem. Se a sua autoestima sem hífen está nas alturas nada te abala, você cantarola, dá de ombros para as vibrações negativas e segue em frente. Bela. Aquele papo todo de que a beleza vem de dentro não é bababá não, é a mais pura verdade. O jeito que você se sente interfere na sua forma de andar, seu jeito de falar, a maneira como se posiciona, cruza as pernas, ajeita os ombros. Se o seu cabelo está num dia ruim, observe, você mal toca nele. E se ele está num dia de diva? Você joga pra lá e pra cá, morram de inveja atrizes de comerciais de shampoo! Se você está se sentindo um trapo quer mais é ficar na toca, na casca, escondida em algum canto bem escondido pra ninguém (por mais espertalhão que seja) encontrá-la. Ou encontrá-lo. Mania boba de achar que só as mulheres encrencam com o cabelo, com a barriga ou com a espinha horripilante que apareceu bem no centro da bochecha. Os homens também têm neuras e cuidados com a aparência, tanto é que o mercado de cosméticos masculino está se expandindo. A quantidade de cirurgias plásticas em homens está numa crescente. Todo mundo quer ser bonito. Pena que nem sempre a auto-estima deixa.
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A auto-estima pode ser a sua melhor amiga ou a grande vilã da paróquia. Ela pode ser a Nazaré, a Paola Bracho, a Flora do pedaço. Cutuca você até o fim. Te ameaça de morte. Te sequestra. Te dá um tiro. Te maltrata. Observe que quem está mal das pernas (leia-se: auto-estima) caminha como se levasse o mundo nas costas. O mundo é pesado, suponho. A pessoa anda corcunda, constato. Quem está com a auto-estima saracoteando bem serelepe caminha com leveza, passos curtos, corpo leve. A auto-estima é o dispositivo que faz você ficar de bem ou de mal com a vida. Conhece o famoso cara de bunda, de cu, de quem comeu e não gostou? Todos os possuidores de caras do tipo devem estar num Momento Auto-estima Em Queda Livre.
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A solução? Pensar besteiras. Quando você pensa que o estoque esgotou surge todo o seu potencial criativo-inventivo-imaginativo-idiotivo. Enxurrada de horror. Você fica enciumada com qualquer coisa que se movimente, ainda que a qualquer coisa em questão seja uma centopéia. Você acha a sua unha feia, o cabelo feio, os olhos feios, a boca feia, a coxa feia, os peitos feios, o dedão do pé feio, a orelha feia, a narina feia, a nádega direita feia, você é uma feia ambulante, ainda que não seja. Você pode ser elogiada, cantada, desejada e ainda assim se sente um traste, um lixo, uma coisa inclassificável. Motivos? Muitos. TPM, má digestão, congestão nasal, sinusite, resfriado, dia ruim, ponta dupla no cabelo, qualquer coisa é o start para o momento que passou a ser Movimento Auto-estima Em Queda Livre Sem Colchão Pra Esperar Lá Embaixo. Tragédia. O emprego pode ir mal, surgiu uma ruga perto da sua boca, você quebrou o cotovelo, o cachorro destruiu o sofá, você engordou cinco quilos. Não importa a causa, importa é o fato: a auto-estima pegou as malas e decidiu sair de casa. Se mudou pra uma cidade que você mal sabe a localização no mapa. Está morando em um lugar que você não tem o endereço, portanto as correspondências vão acumular na mesinha de entrada. A auto-estima quis se separar de você. Com hífen.
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O processo é quase patológico-doentio-preciso-urgente-de-um-psiquiatra-sim-psiquiatra-porque-psicólogo-é-pra-criancinha-neste-caso. Tratamos aqui de um problema de gente grande. Com a (baixa) auto-estima lá no subsolo todas as mulheres do mundo parecem mais interessantes que você, inclusive a mendiga da rua ao lado, aquela que sorri um sorriso vazio, sem nenhum dentinho pra dar um hello. É só ela aparecer de top e short-me-come-de-uma-vez-seu-bundão que você pede pra morrer. Uma tiazinha atravessa a rua e você segue os olhos do seu marido só pra ver se por acaso ele vai dar uma viradinha no pescoço pra olhar o balancê-balancê dela. O maridão encontra a amiga de infância na loja de conveniência e você observa o jeito que ele a abraça, a maneira como olha, à procura de algum indício. Você, que antes era tão segura de si e que tinha a consciência de que é um mulherão. Nessas horas não adianta ser mulherão, mulherzinha, mulher, pois você fica neurótica, paranóica, pirada. Tudo culpa dela, a melequenta que foi embora! É a mulher da revista, do filme, da história em quadrinhos, da Embratel, do comercial. É a vizinha, prima, amiga, qualquer uma, até a mais feia do mundo. Você sabe que a outra é feia, mas você tem noção que a outra é mulher e mulher quando quer...você sabe, coloca a roupinha te-peguei-meu-rei e vai embora. O medo é que na ida ela leve junto o que você chamava de seu (por mais que o Seu demonstre amor-carinho-respeito-tesão-paixão e tome boas doses de paciência diárias). Se bem que a auto-estima você também chamava de sua, certo? E agora? Procura-se a Auto-estima Desesperadamente.
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Idéias surgem. Anúncio no jornal, outdoor, folder, banner, qualquer coisa. Será que ela volta atrás? Do jeito que ela saiu por aquela porta, sei não... Será que volta? Você sabe que ela precisa voltar. É para a sua sobrevivência. A sua mente trabalha vinte e quatro horas e meia por dia, você pensa em mil situações, relembra fatos antigos, coloca um tempero na imaginação, se maltrata mentalmente, se sente abaixo do fiofó do vira-lata. Vira-lata agora é sem hífen? Só o que falta até o vira-lata querer se separar de você. Aí sim você se joga no meio da rua. Com razão. E a auto-estima que fique com a tv, os eletrodomésticos, o tapete marroquino e com as contas pra pagar. Quem mandou querer se separar?