Café da manhã, gramática e o que ficou

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Vim conversar um pouco com você, faz algum tempo que ando calada. Sei que notou meu sumiço e minha falta de voz. Antes de me desculpar, digo que estava procurando a palavra certa. Fui nos cantinhos, nos lugares que ninguém vê, revirei potes e desarrumei algumas gavetas. Me desculpe, não sei dar conselhos, tampouco sei de cor as melhores saídas. Se soubesse, acredite-acreditando-bem, eu sairia. Uma vez vi num filme uma lindeza sem tamanho. A mulher tinha que ir embora, mais um daqueles desencontros amorosos clichês, aí o sujeito olhou pra ela aquele olhar que toda mulher quer receber ao menos uma vez na vida e disse "vai embora sem olhar pra trás". E ela partiu, carregava nos braços um choro pesado e uma mala cheia. Lá dentro, um universo. A história dos dois, os passos de dança que não deram, a cama imensa que bagunçaram, a lágrima que o outro suavemente lambeu no meio de palavras desalinhadas. Suspiro lembrando e deixo a pergunta circular entre as linhas: você já teve que ir embora sem olhar para o que ficou?


Conheci uma moça cheia de desejos. Ela queria o que toda mulherzinha (tire esse ar pejorativo da sobrancelha, para ser mulherzinha é preciso ser muito Mulher), por mais que negue ou se esconda atrás da franja, quer. Um trabalho que realize, uma casa que goste, um homem que a ame. É difícil amar em um mundo tão cheio de aparências e tão pobre de sinceridade. Um mundo onde as pessoas agem de acordo com a maré e o que é ruim, tchau, jogo fora. Elas não têm tempo nem disposição para enfrentar reviravoltas. E a vida é cheia delas, cheia de alegrias e, também, decepções. A moça cheia de desejos não sabia disso, pensava que tudo era alegria-alegria-alegria. Alegria é uma palavra tão bonita, enche a boca e faz a língua dar uma volta correndo lá dentro. Tudo na vida dela tinha um lado bom, até mesmo suas tragédias pessoais se transformavam em risadinha de seriado no final da cena. E assim ela seguia com fé no que estava por vir. O tempo veio e foi, ela amadureceu um pouco, percebeu que nem tudo é tão bonito assim, que é preciso continuar, seguir sempre acreditando, porque a gente tem e precisa desesperadamente acreditar. Não tem outra maneira de resumir isso, é simples, pá-pum, olhar para cima, disfarçar o choro e caminhar. De vez em quando o choro é mais forte, então deixa vir, deixa rolar, deixa molhar, deixa transbordar. Ele vai parar, tudo para, tudo vem e vai e uma hora para de doer e latejar. A moça cheia de desejos tinha desejos que nunca contou para ninguém, pois descobriu que tem coisa que não se diz e outras tantas o cara mais legal do mundo ouve quando o universo dorme. O travesseiro, sempre ele, fiel, quieto, amigo. Oferece conforto e abraça cabeças preocupadas. A mocinha descobriu, depois de lavar o rosto muitas vezes e esfregar bem os grandes olhos assustados, que acordou. Dormiu durante um longo tempo, sonhando com os desejos, mas acordou. Finalmente, viu que a vida é muito mais bonita quando se vive. Sonhar faz um bem danado, mas arregaçar as mangas e dar bom dia para ela é melhor ainda.


Eu também tenho medo e de vez em quando não sei o que fazer ou o que quero. O que posso afirmar, hoje e todos os dias, é que de uma forma interessante eu sempre soube o que não queria. O que eu quero, sei que sim, tenho uma vida inteirinha para descobrir dando, com sorrisos, bom dia para ela e procurando palavras certas. Sem olhar para trás.
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